quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O exemplo é o melhor dos mestres

Carlota Crippa
Das pequenas histórias que Dom Bosco contava para educar seus jovens, tiramos este breve conto.
Numa cabana em meio a um agradável bosque morava, com sua família, um velho camponês, alquebrado pelos anos. Quem sabe ele próprio a edificara, ou ao menos ajudara na sua construção. Mas depois ficara tão, tão velhinho, quase surdo, com pouquíssima visão, de joelhos trêmulos, que quase não servia mais para nada. Vivia ele, assim, vagando de um canto a outro da casa, solitário com suas recordações, sem ter com quem conversar nem com que se distrair.
Quando, à noite, todos sentavam-se à mesa para tomar um bom prato de sopa reforçada com uma farta fatia de pão, o pobre velhinho tremia tanto, tanto, que derramava mais sopa do que conseguia tomar. Sujava a camisa e a toalha. E logo a nora, impaciente e mal-humorada, zangava-se e lhe dizia palavras ásperas.
Um dia, o filho, irritado ele também, com as debilidades senis do pai, cedeu às insistências da esposa. Obrigaram o velho a, daí em diante, fazer as refeições sentado num canto atrás do fogão, comendo numa tigela de barro. E davam-lhe tão pouca coisa que o coitado estava sempre com fome...
De seu canto, com sua pouca visão, ele levantava os olhos para espiar a família reunida à mesa. Com a mão trêmula, levava a colher à boca e engolia a sopa misturada com suas lágrimas.
Certa vez, a mão tremeu-lhe tanto que a tigela caiu e se quebrou. A nora repreendeu-o com brutalidade. Ele, na sua triste situação, nada pôde responder. No dia seguinte, ela comprou-lhe uma gamela de madeira, das mais ordinárias que havia na vendinha do carpinteiro, para substituir a tigela de barro.
O neto do velho, um menino vivo, de seus oito anos, costumava brincar próximo ao fogão. Gostava de correr pelo bosque e construía seus próprios brinquedos com os galhos de árvore e pedras que recolhia pelo caminho. Certo dia, ele parecia estar brincando com uns paus, mas fazia algo que não era um brinquedo. Intrigado e curioso, seu pai perguntou-lhe:
— O que você está fazendo, meu filho?
— Estou fazendo um cocho, papai, para o senhor e a mamãe comerem quando ficarem velhinhos — respondeu o rapaz.
Marido e mulher se olharam por algum tempo e desataram a chorar. Lembraram-se, então, da frase do Eclesiastes, que reflete o 4º mandamento: “O que honra seu pai encontrará alegria nos seus filhos” (Ecli 3, 6). Deram-se conta de que as crianças prestam muita atenção no que vêem, analisam e tiram conclusões... E de que o exemplo — bom ou mau — é o mais poderoso dos mestres.
Resultado, atiraram ao fogo a gamela de madeira e trouxeram o velhinho de volta para seu lugar de honra à mesa, dando-lhe uma bela tigela nova e sempre cheia de sopa.
A nora fez uns grandes guardanapos para ele e, daí por diante, quando a trêmula mão derramava a sopa, fingiam não ver e nada diziam.

A boa ordem familiar voltou àquela cabana. E o coração do velho encheu-se da alegria de sentir-se novamente estimado e respeitado por aqueles a quem amava e por quem havia trabalhado e sofrido ao longo de sua vida. O exemplo dado nas boas ações tem muito mais força do que qualquer discurso, por mais erudito que seja... 
Revista Arautos do Evangelho n.15. março 2013

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A santidade e a esperança

Durante o feriado, foi realizado, em Joinville, um simpósio sobre as virtudes teologais ilustrado com representações teatrais. Neste post, trataremos sobre a esperança.
Certa vez perguntaram ao fundador dos Arautos do Evangelho Mons. João Clá Dias : o que eu devo fazer para ser santa? Monsenhor respondeu: Nunca perder a esperança e ter a esperança sempre no maior dos limites, jamais desanimar na vida!
A santidade é a prática em grau heróico das três virtudes teologais — Fé, Esperança e Caridade —, das quatro cardeais e das que delas decorrem. As virtudes teologais nos orientam para o Céu; as cardeais nos indicam, tendo em vista a bem-aventurança eterna, como deve ser nossa atitude face às coisas da Terra.
“As virtudes são irmãs indissociáveis”, todas andam como que de mãos dadas para apoiarem-se uma nas outras; portanto, quando se pratica uma virtude, as demais crescem junto. Como dizia São Tomás: “A fé gerou a esperança; a esperança, a caridade
Mas, o que é a esperança?
Ensina-nos a teologia que a esperança “é uma virtude teologal infundida por Deus na vontade e pela qual confiamos, com plena certeza, alcançar a vida eterna e os meios necessários para chegar a ela apoiados no auxílio onipotente de Deus”.
Em geral, só se espera um bem, ausente e de difícil alcance. O mal não se espera, se teme, o bem presente se goza.
A esperança é, pois, um movimento pelo qual temos a certeza de que a Providência não nos abandonará, mas, pelo contrário, levantará todos os obstáculos que surgirem no caminho da nossa salvação, e nos proporcionará inclusive os meios materiais deste mundo que nos facilite a santidade.
À medida em que se avança na prática desta virtude, a alma se desprende de todas as coisas terrenas e eleva seu pensamento à soberana formosura de Deus. Nada detém a alma que encetou o caminho da união com Deus, pois Ele lhe estende a mão, sinal absoluto da garantia de sua onipotência, misericórdia e fidelidade à suas promessas.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Como enfrentar a morte?

Naturalmente todos nós sentimos um terror diante da morte. Como se explica, então, o fato de tantos mártires caminharem felizes ao encontro dela? O martírio, esse foi o tema abordado com as jovens do Projeto Futuro e Vida. E para exemplificar foi contado e encenado o martírio de Santa Cecília que narraremos a seguir.
Mártir dos primeiros tempos do cristianismo, sua história nos chega com detalhes de difícil comprovação, tornando complicado distinguir o que foi acrescentado ao longo dos séculos, embora o relato de seu martírio conste já em documentos do século IV. Santa Cecília enfrentou os duros tempos de perseguição aos cristãos, sempre tocando sua harpa ou cítara para acompanhar suas melodiosas canções. Era este seu modo de expressar aquele amor de Deus que abrasava sua alma pura e virginal.
Desde muito menina, Cecília via as belezas do universo como símbolo da grandeza de Deus. Alma contemplativa, vendo o nascer ou o pôr-do-sol, as estrelas ou mesmo as variações das estações, mantinha o espírito voltado para Deus e exclamava: “Oh! Quão grande e bom é o Senhor! Quero amá-Lo sempre. Quero amá-Lo, muito!...”
Converteu seu marido e o irmão deste ao cristianismo. Após do martírio dos dois Cecilia avisada, previu que seria ela a próxima vítima da cruel perseguição. Distribuiu todos os seus bens e entregou seu palácio ao Papa, para ser transformado numa igreja. Capturada, deixou seu perseguidor furioso com suas sábias respostas cheias de fé e de amor a Deus, e foi condenada a morrer sufocada pelos vapores das caldeiras do próprio palácio. Depois de um dia e uma noite dentro de um recinto hermeticamente fechado, foi ela encontrada viva, cantando e sorrindo, em meio a um ar fresco.
Decidiu-se, então, que devia morrer decapitada. Mas o carrasco, ao ver aquela jovem que, com a fortaleza de um guerreiro que entra no campo de batalha, oferecia o pescoço com tanto desejo de morrer, vacilou... deu-lhe um golpe, mas não a matou. Depois um segundo e um terceiro golpe, sofrendo Cecília feridas tremendas. A santa caiu, mas a cabeça continuou prodigiosamente unida ao corpo. A lei romana proibia dar um quarto golpe e o carrasco, cheio de espanto, fugiu.
Três dias passou Cecília entre a vida e a morte, sendo afinal encontrada pelos cristãos, que se apressaram em chamar o Sumo Pontífice. Este ainda teve tempo de ministrar-lhe os últimos sacramentos. Para manifestar sua fé na Unidade e Trindade de Deus, Santa Cecília mostrava àqueles que a assistiam o polegar de uma mão e três dedos de outra. Depois inclinando a cabeça, expirou.
O martírio de Santa Cecilia é para nós um modelo de como enfrentarmos o momento de nossa própria morte. Tenhamos esse espírito de confiança e humildade manifestado por Santa Cecília.
Nunca imaginemos que, por sermos cristãos, devotos de Maria Santíssima e praticarmos boas obras, não seremos tentados nem fraquejaremos na última hora. Devemos, sim, pedir a graça de sermos vigilantes sobre nós mesmos, a graça de resistir sempre à tentação quando esta se apresente, compreendendo que o espírito pode estar pronto, mas a carne é fraca.
De modo especial peçamos a Nossa Senhora que nos assista com sua misericórdia no momento de deixarmos este mundo rumo à eternidade. A graça de termos uma boa morte deve ser pedida com toda a insistência, pois não sabemos o que pode nos suceder no derradeiro instante de nossa vida.
Imploremos, pois, essa confiança em Deus e esse auxílio sobrenatural do Céu, único remédio para evitarmos o terror malsão diante da morte.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Sinal-da-Cruz

Diácono Felipe Ramos
Simples de fazer, ele nos defende do mal, protege contra as investidas do demônio e nos obtém valiosas graças de Deus
Em fins do quarto século, a grande multidão reunida em torno de um gigantesco pinheiro aguardava o desfecho de um empolgante episódio. O bispo São Martinho de Tours havia feito derrubar um templo pagão e decidira cortar o pinheiro que se encontrava próximo ao local e era objeto de culto idolátrico. A isto se opuseram numerosos pagãos que lançaram um desafio: consentiriam no abate da “árvore sagrada” se o Santo, como prova de sua confiança em Cristo, estivesse disposto a ficar amarrado debaixo dela enquanto eles próprios a cortassem.
Assim foi feito. E vigorosos golpes de machado em pouco tempo fizeram o tronco começar a pender em direção à cabeça do homem de Deus. Rejubilavam-se ferozmente os pagãos, enquanto os cristãos olhavam com angústia para seu santo bispo. Este fez o sinal-da-cruz e o pinheiro, como que soprado por uma potente rajada de vento... caiu do outro lado sobre alguns dos mais ferrenhos inimigos da Fé. Nessa ocasião, muitos se converteram à Igreja de Cristo.
Remonta ao tempo dos Apóstolos
Segundo a tradição, corroborada pelos Padres da Igreja, o sinal-da-cruz remonta ao tempo dos Apóstolos. Alguns afirmam que o próprio Cristo, durante a sua gloriosa Ascensão, abençoou os discípulos com este símbolo de sua Paixão Redentora. Os Apóstolos e demais discípulos teriam, por conseguinte, propagado esta devoção em suas missões
Já no século II, Tertuliano, o primeiro escritor cristão de língua latina, exortava: “Para todas as nossas ações, quando entramos ou saímos, quando nos vestimos ou tomamos banho, estando à mesa ou acendendo as velas, quando vamos dormir ou nos sentar, no início de nossas obras, façamos o sinal-da-cruz”.
Este bendito sinal é ocasião de graças tanto nos momentos mais importantes quanto nos mais corriqueiros da vida cristã. Ele se nos apresenta, por exemplo, em diversos sacramentos: no Batismo, assinalando com a cruz de Cristo aquele que vai Lhe pertencer; na Confirmação, quando recebemos na fronte os santos óleos; ou ainda, nas horas derradeiras, quando somos agraciados com a Unção dos Enfermos. Persignamo-nos no início e no fim das orações, ao passar diante de uma igreja, ao receber a bênção sacerdotal, ao iniciar uma viagem, etc.
O sinal-da-cruz tem inúmeros significados, dentre os quais se destacam os seguintes: um ato de entrega a Jesus Cristo, uma renovação do Batismo e uma proclamação das principais verdades de nossa Fé: a Santíssima Trindade e a Redenção. 
Benéficos efeitos
O sinal-da-cruz é o mais antigo e o principal sacramental, isto é, um “sinal sagrado”, mediante o qual, à imitação dos sacramentos, “são significados principalmente efeitos espirituais que se alcançam por súplica da Igreja” (CIC, cân. 1166). Ele nos defende do mal, protege contra as investidas do demônio e nos obtém graças de Deus. São Gaudêncio (séc. IV) afirma que, em todas as circunstâncias, ele é “uma invencível armadura dos cristãos”.
Aos fiéis que se mostravam perturbados ou tentados, os Padres da Igreja aconselhavam o sinal-da-cruz como solução de eficácia garantida.
São Bento de Núrsia, após viver por três anos como ermitão em Subiaco, foi procurado pelos monges de um mosteiro próximo dali, cujo abade falecera, os quais, depois de muita insistência, conseguiram que ele concordasse em assumir esse cargo. Em breve, porém, arrependeram-se ao constatar que o novo abade não lhes permitia levar a vida relaxada de antes, e combinaram de matá-lo. Nesse criminoso intuito, apresentaram-lhe uma jarra de vinho envenenado. Quando, conforme seu costume, o homem de Deus traçou sobre ela o sinal-da-cruz, ela se desfez em pedaços.
* * *
Ave, ó Cruz, nossa única esperança! Na Cruz de Cristo, e só nela, devemos confiar. Se ela nos sustenta, não cairemos; se ela é nosso amparo, não desesperaremos; se ela é nossa força, o que poderemos temer?
Seguindo o conselho dos Padres da Igreja, jamais tenhamos respeito humano ou negligência em utilizar este eficaz sacramental, pois ele será sempre nosso refúgio e proteção.
Revista Arautos do Evangelho n.43. jul 2005

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A obediência de Maria em Belém

A obediência de Maria inspirou a concepção do Verbo de Deus; a obediência de Maria presidirá também ao nascimento do Salvador dos homens.
Façamos em espírito uma visita a Belém: Maria e José, vindos para o recenseamento imposto por Augusto, procuram uma casa para abrigar sua pobreza. Por toda parte, as portas se fecham diante deles. Estão no isolamento e no infortúnio. Maria não reclama, pois vê nessa provação a manifestação da vontade divina. Obedece com humildade e Se refugia num estábulo. Ali se completa o grande mistério de amor. Logo Maria envolve em seus trêmulos braços o Verbo de Luz. Como berço, a Providência oferece apenas uma manjedoura; e como vestimentas, a mais absoluta privação. Maria obedece sempre e, sussurrando o “Fiat” da Encarnação, embala seu recém-nascido.
No quadragésimo dia após o nascimento de Jesus, a voz de Deus de novo fala a Maria e A convida a Se purificar no Templo. Mas, como essa lei poderia atingir a Virgem Imaculada, cuja maternidade milagrosa não tinha qualquer resquício da mancha original? Pouco importa! Deus falou, Maria obedece e Se junta às outras mães, para compartilhar a humilhação. “Fiat mihi secundum verbum tuum”.
Ei-La, enfim, na paz de Nazaré. Maria poderá livremente prodigalizar a seu Divino Filho todas as efusões de sua ternura. Infelizmente, não! Aparece novamente o Anjo do Senhor e comunica a ordem de partir para o Egito. Um cruel tirano, Herodes, tramou a morte de Jesus. É o exílio, com suas incertezas e seus perigos. Maria, entretanto, não cessa de obedecer: repetindo seu “Fiat”, Ela aperta a seu coração angustiado o doce Salvador do mundo e foge a toda pressa para a terra do Egito.
L’Ami du Clergé Paroissial”, 1905, pp. 529-530 In Revista Arautos do Evangelho n.53. Maio 2006

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Uma canção para Mr. Petterson

Ir. Inês Tammie Bonyun,EP
Como poderia o coro dos meninos órfãos de Northampton cantar na Missa do Galo, sem a presença do regente, Mr. Petterson? Mas uma canção de Natal fez “um milagre”...
Afundando os pés na neve, o pequeno Daniel tiritava de frio e procurava proteger as mãos nos bolsos do seu surrado casaco. Logo avistou seus amigos e, após rápidos cumprimentos, caminharam para seu objetivo: as casas abastadas do bairro rico de Northampton.
Vamos começar aqui — disse Francis, o mais velho deles.
Bateram à porta da primeira casa, e quando esta se abriu, começaram a cantar:
O holy night! The stars are brightly shining; It is the night of the dear Saviour’s birth…”
Uma elegante senhora os atendeu sorrindo, encantada com a música. Quando Daniel estendeu o seu chapéu, deu-lhe duas moedas de prata. Os meninos agradeceram contentes, e saíram para a próxima casa.
Começamos bem! Se todo mundo der tanto assim, já está garantida a ceia de Natal dos meninos órfãos!
Com essas palavras, Francis tentava animar os outros, mas os sorrisos eram fracos. Sobre eles pairava uma sombra de tristeza: era o primeiro ano em que Mr. Pette não estaria presente.
                                                                 * * *
Quem era Mr. Pette?
Décadas atrás, no começo do reinado da rainha Vitória, a família Petterson emigrara da Áustria para a Inglaterra. Eduard, o filho único, herdou de seus pais o amor à música, tão característico dos austríacos, e tornou-se o melhor professor de canto da região. Até as famílias dos condados vizinhos enviavam seus filhos para aperfeiçoarem a voz com o Prof. Eduard Petterson, ou, como lhe chamavam carinhosamente os meninos, Mr. Pette.
Sim, ele era uma pessoa muito querida. Sobretudo depois que formou um coro com os meninos órfãos do condado. Para aqueles pequenos, a música de Mr. Petterson tinha aberto uma porta para a alegria. As pessoas se comoviam ao ouvi-los. No tempo do Natal eles cantavam em várias igrejas, mas o auge era a Missa do Galo, na catedral. Com o dinheiro assim arrecadado, preparavam uma ceia para os órfãos da cidade, na qual Mr. Pette sempre estava presente.
Passaram-se os anos, e lentamente os cabelos brancos foram aureolando a face do bom mestre. Alguns de seus ex-alunos chegaram a cantar em coros importantes, até mesmo em Londres. Mas, naquele ano ele estava especialmente satisfeito, pois o pequeno Daniel, seu mais novo aluno, possuía a melhor voz que ele até então ouvira.
É um anjo! Ainda vai cantar para a rainha! — dizia.
E assim, preparou cuidadosamente Daniel para apresentar alguns “solos”. As notícias correm velozes em cidades pequenas, e muitos ficaram sabendo da revelação que Mr. Petterson preparava para aquele ano. Portanto, os habitantes de Northampton já esperavam, entre as alegrias do Natal, ouvir cantar o menino a quem a Providência concedera uma voz angélica.
Tudo parecia perfeito, quando, nos primeiros dias de dezembro, aconteceu a catástrofe... Numa manhã, ao sair de casa, Mr. Petterson caiu ao chão, fulminado por uma apoplexia. Levado sem demora para o hospital próximo, foi possível salvar-lhe a vida, porém, desde esse dia, ele permaneceu imóvel em completa letargia. O médico não escondeu a gravidade da situação: “Se nos próximos dias ele não reagir, jamais voltará ao normal. Irá lentamente definhando, até...” Não ousou completar a frase.
                                                                                    * * *
Com razão, pois, os meninos andavam entristecidos, pelo dramático acidente de seu querido professor. Além disso, como iriam eles ter a ousadia de cantar em público, sem a regência do mestre que lhes transmitia segurança?
Reuniram-se no salão da catedral, na hora do ensaio habitual. Ao contrário dos encontros normais, marcados por risadas e conversas em voz alta, naquele o ambiente era soturno. Em certo momento, chegaram alguns que haviam ido visitar Mr. Petterson no hospital, trazendo notícias nada animadoras: ele mal conseguia mover os olhos, nem sabiam se os tinha reconhecido ou não.
Por fim, um deles falou:
Temos de ver o problema de frente. Pode ser que Mr. Pette não melhore até o Natal. Pode ser que... que...
Mas então, como vamos cantar na Missa do Galo? E se acontecer o pior, o coro vai terminar? — perguntou, com voz trêmula, um dos pequenos.
Não! Nós temos que cantar neste Natal! E se Mr. Pette não estiver, talvez... talvez... O Francis! Sim, ele já tem 19 anos e regeu o coro uma vez, quando Mr. Pette viajou para Londres!
Todos os olhares se dirigiram para Francis, mas ele encolheu-se.
Reger o coro, eu? Na catedral, diante da cidade inteira? Não… não consigo…
As opiniões se dividiram. Eram problemas demais para cabeças tão jovens. Num canto, o pequeno Daniel ouvia tudo em silêncio, os olhos brilhando com as lágrimas mal contidas. Sem os outros perceberem, saiu discretamente do salão e dirigiu-se ao interior da igreja para fazer o que aprendera com sua falecida mãe: rezar diante do presépio.
Enquanto orava, prestou atenção nas imagens dos anjinhos músicos e pensou: “É, eles tocam e cantam felizes porque estão à espera de alguém muito querido que vai chegar. E nós estamos tristes porque aquele a quem tanto queremos está indo embora...”
Em certo momento, teve uma ideia e voltou apressadamente para o salão.
                                                                                      * * *
Uma fraca luz iluminava o quarto do hospital onde a enfermeira olhava sem muita esperança a fisionomia pálida de Mr. Pette. “Pobre homem — pensava ela — o que poderá tirá-lo desse letargo?”
Nisso, as notas harmoniosas de uma música encheram o ambiente. Abriu a janela e, surpresa, viu um grupo de meninos que cantavam ali, a menos de dois metros da cabeceira do doente:
A thrill of hope the weary world rejoices, For yonder breaks a new and glorious morn…”
Que melodia maravilhosa! Mas ali era um hospital... e seu dever era impor silêncio aos pequenos cantores. Quando ia fazê-lo com um enérgico gesto, um gemido do enfermo lhe chamou a atenção. Mr. Petterson havia despertado! Estava consciente! O misterioso dom que envolve as melodias conseguira tirar da letargia aquele homem que dedicara sua vida à música e aos pobres órfãos.
Do lado de fora, Daniel e seus amigos cantavam com toda a força, e com o máximo de perfeição. Pela reação favorável da enfermeira, ele percebeu que seu plano dera resultado, e sentiu as lágrimas brotarem de seus olhos.
                                                                                  * * *
Na Missa do Galo, não havia espaço nem para um alfinete, na catedral de Northampton. Francis regia com desenvoltura o coro, que cantava radiante. Sentado numa cadeira de rodas bem na frente, Mr. Petterson aprovava, acenando com a cabeça.
Quando Daniel entoou o solo que lhe cabia na peça, os assistentes pareciam reter a respiração, ouvindo sua voz cristalina e inocente ecoar pelas ogivas:
O night divine, the night when Christ was born, O night, o holy night, o night divine!
Seu querido mestre sorria, encantado. Mas o pequeno solista olhava sobretudo para o Menino Jesus no presépio, para os anjinhos músicos, e pensava: “Sim, os anjinhos... A música opera milagres, mas ela certamente não o faz sozinha!” 

Revista Arautos do Evangelho n.60. dez 2006
Apresentação Musical na catequese da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A inveja

Afirma o Apóstolo São Tiago: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3, 16). Com efeito, é a inveja um dos vícios mais perniciosos. Quem por ela se deixa levar, não conhece a felicidade. O invejoso está sempre se comparando com os outros, e quando se depara com quem o supera em qualquer ponto, logo se pergunta: “Por que ele é mais e eu menos? Por que ele tem e eu não?”. Essa atitude torna ácida e amargurada a sua vida, causando toda espécie de dissabores.

Esse foi o tema da peça teatral encenada pelas jovens do Projeto Futuro e Vida. Depois de muito treino, elas se esforçaram para fazer uma boa apresentação do “Castigo de Lucrécia” que, por sinal, agradou bastante o público. A história era de uma rainha que confiava muito em sua dama, mas por inveja esta foi caluniada e condenada à morte. Prepararam um plano com a padeira para jogá-la no forno. Entretanto, Deus vela por seus filhos e devido a um mal entendido a traidora foi lançada no forno.  

domingo, 3 de novembro de 2013

Simpósio sobre os Sacramentos


Continuando com  as exposições feitas pelo Pe Ricardo Basso, EP durante o simpósio sobre os sacramentos, transcrevemos algumas considerações a respeito da Eucaristia.

TOMAI E COMEI

“Com que ardor deseja Jesus Cristo vir a nós pela santa Comunhão! ”Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer”. Desejei ardentemente, falou ele naquela noite em que instituiu este sacramento de amor. Diz São Lourenço Justiniano: O amor que nos tinha o forçou a falar assim.


Para que facilmente cada um pudesse recebê-lo, quis ficar sob as aparências de pão. Se ele tivesse ficado sob a aparência de algum alimento raro, ou de preço elevado, os pobres ficariam privados dele. Mas não, Jesus quis ficar sob as aparências de pão: custa pouco, em toda parte se encontra, todos poderão achá-lo e recebê-lo em qualquer lugar do mundo.


Para que nos animemos a recebê-lo na Sagrada Comunhão ele nos exorta com muitos convites: “Vinde comer o pão e beber o vinho que vos preparei. Comei, amigos e bebei”, referindo-se à eucaristia. Impõe-nos ainda como preceito: “Tomai e comei: isto é o meu corpo”. Atrai-nos ainda com a promessa do paraíso para que o recebamos: “Quem come a minha carne, tem a vida eterna. Quem come este pão viverá para sempre”. Ameaça-nos com o inferno, com a exclusão do céu, se nos recusarmos a comungar: “se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. Estes convites, promessas e ameaças, nascem todos do grande desejo que ele tem de vir a nós neste Sacramento.


Mas por que Jesus Cristo deseja tanto que o recebamos na Sagrada Comunhão? Eis a razão. Diz São Dionísio que o amor sempre aspira e tende à união.


Os amigos, que se amam de coração, querem estar unidos de tal modo que formem uma só pessoa, diz Santo Tomás. Ora, isto fez o imenso amor de Deus para com os homens.Deus não só se dá a eles no reino eterno, mas já neste mundo se deixa possuir pelos homens na união mais íntima possível. Dá-se todo sob as aparências de pão no sacramento da Eucaristia. Ali está como atrás de um muro e dali nos olha como através de apertadas grades: "Ei-lo atrás de nossas paredes, olhando pelas janelas, espreitando pelas grades". Ainda que nós não o vejamos, ele de lá nos observa e lá está realmente presente. Está presente para deixar-se possuir por nós mas se esconde para que o desejemos. Enquanto não chegamos até o paraíso, Jesus Cristo quer dar-se todo a nós e estar intimamente unido conosco.