sábado, 27 de dezembro de 2014

O pobre riquíssimo

Quando o velho rico Naabot leu a carta que lhe chegara àquela tarde, deu um largo suspiro...
— Ah, parentes!
Quem escrevia era um primo seu, avisando de uma próxima visita. Ah, Zabulon, filho de Dibon... Sua lembrança inspirava ao mesmo tempo pena e certa aversão. Os dois, oriundos de abastadas famílias de Israel, haviam sido muito próximos quando jovens. Passados os anos, Naabot, comerciante incansável e empreendedor, tornara-se um dos homens mais ricos de Jerusalém. Zabulon, pelo contrário, viu seus negócios rolarem numa trágica sucessão de infortúnios, e pelo que se sabia, estava, agora, à beira da completa ruína.
Porém, após anos de separação, ele estava curioso em revê-lo, assim marcou um encontro em sua casa de campo, a pouco mais de seis milhas ao sul de Jerusalém.
O sol se punha atrás das colinas arenosas, naquela tarde de dezembro, quando os primos se encontraram. O contraste entre os dois era quase chocante. Naabot era a figura encarnada da boa fortuna. Alegre, gordo e recendendo perfumes delicados, trajava uma túnica de seda persa, e vistosos anéis rebrilhavam em quase todos os seus dedos. Pelo contrário, o encanecido Zabulon personificava o insucesso e a pobreza. Seu rosto era marcado por uma contínua e silenciosa resignação e corpo esquálido; estava coberto por uma túnica tão gasta, que não se podia adivinhar a cor original. Quem o visse, não poderia supor que um dia fora homem de posses. Condoído, Naabot fez-lhe um convite para jantar, humildemente aceito pelo outro.
Durante a ceia, a qual o pobre compreensivelmente devorou com avidez, discorreram sobre o passado, relembrando a infância e a juventude de ambos. Em certo momento, Naabot declarou ao primo seu modo de ver as coisas:
— Veja, Zabulon, eu respeito profundamente ao Deus de Abraão, mas deixemos o Todo-poderoso dentro de Seu templo, que aliás é bem grande. Aqui fora, sobretudo no comércio, temos de usar toda astúcia e todos os meios que estiverem ao nosso alcance, para obter o sucesso e a riqueza. E dizia isso crispando as mãos, como a agarrar um punhado de imaginárias moedas diante de si.
O primo pobre, homem piedoso, não concordou com aquela opinião materialista de Naabot, e discutiram ainda um bom tempo, noite adentro. Embora se respeitassem, havia entre os dois uma profunda divergência na maneira de encarar a vida. Por fim, vendo que não chegariam a conclusão nenhuma, Naabot interrompeu a conversa e disse:
— Bem, sejamos francos, então. Não terá sido para discutir filosofia, nem para matar as saudades, que meu bom primo veio até aqui. Diga então, Zabulon, há mais algo em que eu possa lhe ajudar?
— Sim, disse o desventurado, curvando a cabeça. Preciso de sua ajuda. Mas não venho pedir dinheiro, venho apenas propor um negócio.
— E que negócio? — Perguntou o comerciante curioso.
— Como deve saber, já perdi tudo o que tinha. Tudo, exceto um pequeno naco de terra, restante de uma fazenda outrora grande, não muito distante daqui. Crê que pode comprar-me este pequeno sítio?
O rico homem deu uma risada.
— Ora, ora, meu caro Zabulon. Se posso comprar? Posso lhe dizer, sem exagero nem soberba, que tenho dinheiro para comprar qualquer coisa em Jerusalém, exceto o Templo e o palácio do governador, pois estes, evidentemente, não estão à venda. Ouça: se esse teu sítio por acaso valesse mais do que estou pensando em oferecer, eu lhe entregaria no ato todos os meus anéis. E balançava levemente a mão, fazendo rebrilhar os diamantes e as safiras. Você disse que não é longe? Apanhemos dois cavalos e uns homens de escolta. Vejamos o tal terreno. Assim, esta noite mesmo lhe pago, e não digam os fariseus que não ajudei um parente necessitado.
E assim foi. Era uma noite maravilhosamente estrelada, bela e clara. E como Zabulon havia dito, o lugar era próximo. Mas ao chegarem lá, viram a certa distância, próximo a uma colina, alguns vultos de homens, camelos e cavalos.
— Oh, uma caravana. Seu terreno está ocupado por beduínos, Zabulon. Vai-me custar dinheiro tirá-los daí. Vamos ver mais de perto, quantos são.
Mas ao se aproximarem, Naabot viu os preciosos enfeites dos camelos e, espantado, murmurou:
— Por Elias, não são beduínos, são homens ricos, talvez até nobres! Que fazem eles aqui? Cheios de curiosidade, os dois judeus e seus guardas foram aproximando-se mais e mais. Já não prestavam atenção aos membros da caravana, nem estes neles. Então, surgiram os três chefes daquele grupo desconhecido. Os israelitas ficaram boquiabertos. Não eram simples nobres, eram reis coroados. Tão ricos e faustosos, que Naabot subitamente sentiu sua pretensa fortuna encolher a ponto de parecer insignificante.
Eles não haviam percebido, mas aos pés da elevação havia uma pequena e pobre gruta, para a qual os enigmáticos reis se dirigiram. Olhando para o céu, Zabulon deu-se conta que a noite estava clara não tanto pelas estrelas, mas por uma em especial, que superando todas em brilho, parecia repousar delicadamente sobre a colina.
Dentro da gruta havia, entre algum gado, um homem com sua jovem esposa, a qual tinha ao colo um Menino recém-nascido, com um suave sorriso no rosto. Era algo fantástico, pois deste Menino parecia irradiar uma misteriosa e tênue luz, que envolvia a gruta e todos os presentes. Entrando os reis, um a um, inclinaram-se em adoração diante do Menino, tocando o solo com suas frontes, e oferecendo-lhe soberbos presentes. Mais tarde, pastores da região começaram a chegar, e todos, de joelhos, permaneceram em respeitoso e admirado silêncio diante do extraordinário Menino.
Passou-se um bom tempo, naquela serena e maravilhosa atmosfera, mas por fim, Naabot e seu grupo perceberam ser o momento de partir. Fazendo uma última reverência, saíram sem fazer ruído, e depois caminharam longamente calados. Então, Naabot rompeu o silêncio, e tirando um a um seus preciosos anéis, foi entregando-os a seu primo, enquanto dizia:
— Cumpro o que disse. Toma, Zabulon. Tu és o pobre mais rico que existe. Estes anéis não são mais que uma migalha. Teu terreno e tua gruta não têm preço. Não há ouro em todo o Império Romano que possa pagar o que valem.
E um dos guardas, ousando dirigir a palavra, perguntou a seu amo:
— Meu senhor Naabot, será então, que um novo profeta veio a nós? Os dois primos olharam-se, e Zabulon respondeu:
— Não, meu filho. Diante de nós, cumpriram-se séculos e séculos de profecias... Esta noite, o Messias surgiu em Israel.
Michelle Boy Frank – Revista Arautos do Evangelho - Dezembro 2008


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