quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O aleijado vai ao Papa

Arrastando-se com dificuldade e marcando caminho com o sangue que escorria de suas feridas, chegava o pobre Gilla às portas da catedral de Londres. Com chuva ou bom tempo, ele jamais faltava à Santa Missa, porque sua fé era maior que seus tormentos. Ele nascera com os nervos atrofiados, e ademais sofria uma terrível doença de pele. Não tinha como ganhar o pão e nem um parente próximo que o ajudasse.
Num dia solene, Gilla viu o celebrante subir ao altar com belos paramentos brancos, enquanto o coro cantava em gregoriano “Tu es Petrus”. Era o dia vinte e dois de fevereiro, festa da Cátedra de Pedro. No sermão, o pregador discorreu longamente sobre o poder das chaves conferido ao Papa pelo Divino Mestre. O pobre homem a tudo assistia com muito fervor e atenção. Terminada a cerimônia, despediu-se da maternal imagem da Virgem que ficava na lateral e saiu meditando:
— Que beleza! Hoje festejamos o doce Cristo na Terra! Quantos não ficaram curados só por terem sido banhados pela sombra de Jesus! Se eu vivesse naquela época... mas Ele indo para o Céu, deixou um representante entre nós e lhe entregou as chaves do Céu e da Terra... Quem sabe se indo até Roma não consigo do Papa o milagre de minha cura?
Animado por essas reflexões, conversou com o pároco e algumas pessoas piedosas de Londres, conseguindo que o colocassem em um barco com destino à França. “De lá — pensou ele — Deus dará um jeito de me conduzir até Roma”.
Desembarcando na França, passou o dia rezando e pedindo por caridade que alguém o levasse até a Cidade Eterna.
Após três dias de intensa oração e frustradas tentativas, passaram perto dele uns mercadores que partiam de volta à Itália, depois de terem feito um bom negócio. Vendo o pobre chagado pedir com tanta insistência e pelo amor de Deus que o levassem até o Papa, aceitaram transportá-lo em sua carroça, vazia pela venda das mercadorias.
Foi uma longa e penosa viagem. Cada solavanco do veículo nas precárias estradas lhe provoca uma terrível dor. Resignado e contente, ele ofereceu tudo à Santíssima Virgem, e pôs suas esperanças no tão ansiado encontro com o Papa.
Chegando a Roma, ficou atento à espera de uma oportunidade para se aproximar do doce Cristo na Terra. Numa solenidade em que o Sumo Pontífice sairia em procissão pelas ruas, o piedoso mendigo colocouse em uma esquina, bem próximo do local por onde ele passaria. O Papa, ao ver o pobre chagado, encheu-se de compaixão. Mandou que o aproximassem e, como um verdadeiro pai, lhe perguntou:
— Meu filho, o que desejas?
— Venho de Londres, Santidade, implorar-vos a cura. Desde criança tenho os membros atrofiados e ademais sofro esta terrível doença.
— Confiança! Tens no teu país um piedoso monarca, o qual eu estimo muito. Vai e pedelhe que te leve montado em seus ombros do grande palácio de Westminster até a Catedral. Deste modo eu garanto que Deus fará o milagre.
A Providência pedia àquele homem mais uma prova de fé. Empreender de volta toda a difícil viagem, no mesmo estado de invalidez, e se apresentar ao rei para fazer essa proposta... Mas ele não questionou, não reclamou e, de novo, foi pedindo, ora a estes, ora àqueles, que o transportassem cada trecho do caminho.
Ao fim de mil aventuras e sofrimentos, conseguiu o mendigo chegar à capital da Inglaterra. Foi se arrastando até as portas do palácio e disse trazer uma mensagem do Papa. Os guardas reais, que já pensavam em afastá-lo, resolveram antes perguntar ao rei Eduardo, o Confessor:
— Majestade, está aí fora um mendigo de horrível aspecto e coberto de chagas, que insiste em falar convosco. Afirma ter uma mensagem do Papa.
— Façam-no entrar. O que é o rei senão o pai dos pobres e o protetor dos débeis?
Introduzido o mendigo na nobre sala do palácio, deparou com o rei em toda sua grandeza sentado no trono com o diadema real. Era resplandecente sua majestade e, ao mesmo tempo, sua bondade e afabilidade.
O mendigo fez uma reverência e com toda confiança disse ao rei:
— Senhor, acabo de chegar de Roma, onde o Papa me prometeu que vós me curaríeis.
— Mas, como poderei fazer isso? Não deu ele mais nenhuma indicação?
— Sim, disse que se vós me carregásseis em vossos ombros do palácio até a Catedral, Deus faria o milagre. Piedade, ó rei, tende compaixão do último de vossos súditos!
— Como não, meu filho? Suba e vamos!
Soaram os trompetes, os guardas se perfilaram: o rei vai sair! Os súditos se amontoaram nas ruas para ver a carruagem real passar. Porém, um espanto geral percorreu o povo: não viam a carruagem dourada puxada pelos ágeis cavalos vindos de Espanha, mas sim um pobre trapo humano montado sobre o rei. Os murmúrios começaram:
— Logo esse mendigo miserável vai montar no nosso rei?
— Isso é um desaforo! Como ele ousou fazer isso?
— Que louco! E como o rei deixou?
O rei e o mendigo não se importavam com o que diziam. Um e outro iam compenetrados e rezando juntos, pedindo o milagre.
O povo espantado formava filas atrás do monarca, curioso para saber como terminaria tão inusitado espetáculo.
No caminho, as vestes reais iam se enchendo do pus e do sangue que escorriam das feridas do mendigo. E o pobre já ia sentindo alguns movimentos mais livres...
Quando chegaram ao templo, sob expectativa geral, dirigiram-se até o altar e o rei depôs seu precioso fardo no chão. Este, com todos os seus membros curados e sua pele limpa como a de um bebê, imediatamente se ajoelhou e, chorando de alegria, pediu a bênção ao soberano. O rei o levantou e, abraçando-o, disse:
— Meu filho, agradeçamos juntos a Deus este grande milagre, com que a Sua Divina clemência se dignou hoje favorecer-nos.
E toda a multidão, encabeçada por sua Majestade e pelo pobre Gilla, assistiu fervorosamente à solene Missa, na qual agradeceram a Deus um tão bom Papa e um tão bom rei. Esta é uma bela história que orna a coroa celestial de Santo Eduardo, o Confessor, nobre filho da Santa Igreja!
Ir Maria Teresa Ribeiro Matos, EP – Revista Arautos do Evangelho - Jan 2008


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