sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Uma canção para Mr. Petterson

Ir. Inês Tammie Bonyun,EP
Como poderia o coro dos meninos órfãos de Northampton cantar na Missa do Galo, sem a presença do regente, Mr. Petterson? Mas uma canção de Natal fez “um milagre”...
Afundando os pés na neve, o pequeno Daniel tiritava de frio e procurava proteger as mãos nos bolsos do seu surrado casaco. Logo avistou seus amigos e, após rápidos cumprimentos, caminharam para seu objetivo: as casas abastadas do bairro rico de Northampton.
Vamos começar aqui — disse Francis, o mais velho deles.
Bateram à porta da primeira casa, e quando esta se abriu, começaram a cantar:
O holy night! The stars are brightly shining; It is the night of the dear Saviour’s birth…”
Uma elegante senhora os atendeu sorrindo, encantada com a música. Quando Daniel estendeu o seu chapéu, deu-lhe duas moedas de prata. Os meninos agradeceram contentes, e saíram para a próxima casa.
Começamos bem! Se todo mundo der tanto assim, já está garantida a ceia de Natal dos meninos órfãos!
Com essas palavras, Francis tentava animar os outros, mas os sorrisos eram fracos. Sobre eles pairava uma sombra de tristeza: era o primeiro ano em que Mr. Pette não estaria presente.
                                                                 * * *
Quem era Mr. Pette?
Décadas atrás, no começo do reinado da rainha Vitória, a família Petterson emigrara da Áustria para a Inglaterra. Eduard, o filho único, herdou de seus pais o amor à música, tão característico dos austríacos, e tornou-se o melhor professor de canto da região. Até as famílias dos condados vizinhos enviavam seus filhos para aperfeiçoarem a voz com o Prof. Eduard Petterson, ou, como lhe chamavam carinhosamente os meninos, Mr. Pette.
Sim, ele era uma pessoa muito querida. Sobretudo depois que formou um coro com os meninos órfãos do condado. Para aqueles pequenos, a música de Mr. Petterson tinha aberto uma porta para a alegria. As pessoas se comoviam ao ouvi-los. No tempo do Natal eles cantavam em várias igrejas, mas o auge era a Missa do Galo, na catedral. Com o dinheiro assim arrecadado, preparavam uma ceia para os órfãos da cidade, na qual Mr. Pette sempre estava presente.
Passaram-se os anos, e lentamente os cabelos brancos foram aureolando a face do bom mestre. Alguns de seus ex-alunos chegaram a cantar em coros importantes, até mesmo em Londres. Mas, naquele ano ele estava especialmente satisfeito, pois o pequeno Daniel, seu mais novo aluno, possuía a melhor voz que ele até então ouvira.
É um anjo! Ainda vai cantar para a rainha! — dizia.
E assim, preparou cuidadosamente Daniel para apresentar alguns “solos”. As notícias correm velozes em cidades pequenas, e muitos ficaram sabendo da revelação que Mr. Petterson preparava para aquele ano. Portanto, os habitantes de Northampton já esperavam, entre as alegrias do Natal, ouvir cantar o menino a quem a Providência concedera uma voz angélica.
Tudo parecia perfeito, quando, nos primeiros dias de dezembro, aconteceu a catástrofe... Numa manhã, ao sair de casa, Mr. Petterson caiu ao chão, fulminado por uma apoplexia. Levado sem demora para o hospital próximo, foi possível salvar-lhe a vida, porém, desde esse dia, ele permaneceu imóvel em completa letargia. O médico não escondeu a gravidade da situação: “Se nos próximos dias ele não reagir, jamais voltará ao normal. Irá lentamente definhando, até...” Não ousou completar a frase.
                                                                                    * * *
Com razão, pois, os meninos andavam entristecidos, pelo dramático acidente de seu querido professor. Além disso, como iriam eles ter a ousadia de cantar em público, sem a regência do mestre que lhes transmitia segurança?
Reuniram-se no salão da catedral, na hora do ensaio habitual. Ao contrário dos encontros normais, marcados por risadas e conversas em voz alta, naquele o ambiente era soturno. Em certo momento, chegaram alguns que haviam ido visitar Mr. Petterson no hospital, trazendo notícias nada animadoras: ele mal conseguia mover os olhos, nem sabiam se os tinha reconhecido ou não.
Por fim, um deles falou:
Temos de ver o problema de frente. Pode ser que Mr. Pette não melhore até o Natal. Pode ser que... que...
Mas então, como vamos cantar na Missa do Galo? E se acontecer o pior, o coro vai terminar? — perguntou, com voz trêmula, um dos pequenos.
Não! Nós temos que cantar neste Natal! E se Mr. Pette não estiver, talvez... talvez... O Francis! Sim, ele já tem 19 anos e regeu o coro uma vez, quando Mr. Pette viajou para Londres!
Todos os olhares se dirigiram para Francis, mas ele encolheu-se.
Reger o coro, eu? Na catedral, diante da cidade inteira? Não… não consigo…
As opiniões se dividiram. Eram problemas demais para cabeças tão jovens. Num canto, o pequeno Daniel ouvia tudo em silêncio, os olhos brilhando com as lágrimas mal contidas. Sem os outros perceberem, saiu discretamente do salão e dirigiu-se ao interior da igreja para fazer o que aprendera com sua falecida mãe: rezar diante do presépio.
Enquanto orava, prestou atenção nas imagens dos anjinhos músicos e pensou: “É, eles tocam e cantam felizes porque estão à espera de alguém muito querido que vai chegar. E nós estamos tristes porque aquele a quem tanto queremos está indo embora...”
Em certo momento, teve uma ideia e voltou apressadamente para o salão.
                                                                                      * * *
Uma fraca luz iluminava o quarto do hospital onde a enfermeira olhava sem muita esperança a fisionomia pálida de Mr. Pette. “Pobre homem — pensava ela — o que poderá tirá-lo desse letargo?”
Nisso, as notas harmoniosas de uma música encheram o ambiente. Abriu a janela e, surpresa, viu um grupo de meninos que cantavam ali, a menos de dois metros da cabeceira do doente:
A thrill of hope the weary world rejoices, For yonder breaks a new and glorious morn…”
Que melodia maravilhosa! Mas ali era um hospital... e seu dever era impor silêncio aos pequenos cantores. Quando ia fazê-lo com um enérgico gesto, um gemido do enfermo lhe chamou a atenção. Mr. Petterson havia despertado! Estava consciente! O misterioso dom que envolve as melodias conseguira tirar da letargia aquele homem que dedicara sua vida à música e aos pobres órfãos.
Do lado de fora, Daniel e seus amigos cantavam com toda a força, e com o máximo de perfeição. Pela reação favorável da enfermeira, ele percebeu que seu plano dera resultado, e sentiu as lágrimas brotarem de seus olhos.
                                                                                  * * *
Na Missa do Galo, não havia espaço nem para um alfinete, na catedral de Northampton. Francis regia com desenvoltura o coro, que cantava radiante. Sentado numa cadeira de rodas bem na frente, Mr. Petterson aprovava, acenando com a cabeça.
Quando Daniel entoou o solo que lhe cabia na peça, os assistentes pareciam reter a respiração, ouvindo sua voz cristalina e inocente ecoar pelas ogivas:
O night divine, the night when Christ was born, O night, o holy night, o night divine!
Seu querido mestre sorria, encantado. Mas o pequeno solista olhava sobretudo para o Menino Jesus no presépio, para os anjinhos músicos, e pensava: “Sim, os anjinhos... A música opera milagres, mas ela certamente não o faz sozinha!” 

Revista Arautos do Evangelho n.60. dez 2006
Apresentação Musical na catequese da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
 

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