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Inês Tammie Bonyun,EP
Como poderia o coro
dos meninos órfãos de Northampton cantar na Missa do Galo, sem a
presença do regente, Mr. Petterson? Mas uma canção de Natal fez
“um milagre”...
Afundando os pés na
neve, o pequeno Daniel tiritava de frio e procurava proteger as mãos
nos bolsos do seu surrado casaco. Logo avistou seus amigos e, após
rápidos cumprimentos, caminharam para seu objetivo: as casas
abastadas do bairro rico de Northampton.
— Vamos começar
aqui — disse Francis, o mais velho deles.
Bateram à porta da
primeira casa, e quando esta se abriu, começaram a cantar:
“O holy night!
The stars are brightly shining; It is the night of the dear Saviour’s
birth…”
Uma elegante senhora
os atendeu sorrindo, encantada com a música. Quando Daniel estendeu
o seu chapéu, deu-lhe duas moedas de prata. Os meninos agradeceram
contentes, e saíram para a próxima casa.
— Começamos bem!
Se todo mundo der tanto assim, já está garantida a ceia de Natal
dos meninos órfãos!
Com essas palavras,
Francis tentava animar os outros, mas os sorrisos eram fracos. Sobre
eles pairava uma sombra de tristeza: era o primeiro ano em que Mr.
Pette não estaria presente.
* * *
Quem era Mr. Pette?
Décadas atrás, no
começo do reinado da rainha Vitória, a família Petterson emigrara
da Áustria para a Inglaterra. Eduard, o filho único, herdou de seus
pais o amor à música, tão característico dos austríacos, e
tornou-se o melhor professor de canto da região. Até as famílias
dos condados vizinhos enviavam seus filhos para aperfeiçoarem a voz
com o Prof. Eduard Petterson, ou, como lhe chamavam carinhosamente os
meninos, Mr. Pette.
Sim, ele era uma
pessoa muito querida. Sobretudo depois que formou um coro com os
meninos órfãos do condado. Para aqueles pequenos, a música de Mr.
Petterson tinha aberto uma porta para a alegria. As pessoas se
comoviam ao ouvi-los. No tempo do Natal eles cantavam em várias
igrejas, mas o auge era a Missa do Galo, na catedral. Com o dinheiro
assim arrecadado, preparavam uma ceia para os órfãos da cidade, na
qual Mr. Pette sempre estava presente.
Passaram-se os anos,
e lentamente os cabelos brancos foram aureolando a face do bom
mestre. Alguns de seus ex-alunos chegaram a cantar em coros
importantes, até mesmo em Londres. Mas, naquele ano ele estava
especialmente satisfeito, pois o pequeno Daniel, seu mais novo aluno,
possuía a melhor voz que ele até então ouvira.
— É um anjo!
Ainda vai cantar para a rainha! — dizia.
E assim, preparou
cuidadosamente Daniel para apresentar alguns “solos”. As notícias
correm velozes em cidades pequenas, e muitos ficaram sabendo da
revelação que Mr. Petterson preparava para aquele ano. Portanto, os
habitantes de Northampton já esperavam, entre as alegrias do Natal,
ouvir cantar o menino a quem a Providência concedera uma voz
angélica.
Tudo parecia
perfeito, quando, nos primeiros dias de dezembro, aconteceu a
catástrofe... Numa manhã, ao sair de casa, Mr. Petterson caiu ao
chão, fulminado por uma apoplexia. Levado sem demora para o hospital
próximo, foi possível salvar-lhe a vida, porém, desde esse dia,
ele permaneceu imóvel em completa letargia. O médico não escondeu
a gravidade da situação: “Se nos próximos dias ele não reagir,
jamais voltará ao normal. Irá lentamente definhando, até...” Não
ousou completar a frase.
* * *
Com razão, pois, os
meninos andavam entristecidos, pelo dramático acidente de seu
querido professor. Além disso, como iriam eles ter a ousadia de
cantar em público, sem a regência do mestre que lhes transmitia
segurança?
Reuniram-se no salão
da catedral, na hora do ensaio habitual. Ao contrário dos encontros
normais, marcados por risadas e conversas em voz alta, naquele o
ambiente era soturno. Em certo momento, chegaram alguns que haviam
ido visitar Mr. Petterson no hospital, trazendo notícias nada
animadoras: ele mal conseguia mover os olhos, nem sabiam se os tinha
reconhecido ou não.
Por fim, um deles
falou:
— Temos de ver o
problema de frente. Pode ser que Mr. Pette não melhore até o Natal.
Pode ser que... que...
— Mas então, como
vamos cantar na Missa do Galo? E se acontecer o pior, o coro vai
terminar? — perguntou, com voz trêmula, um dos pequenos.
— Não! Nós temos
que cantar neste Natal! E se Mr. Pette não estiver, talvez...
talvez... O Francis! Sim, ele já tem 19 anos e regeu o coro uma vez,
quando Mr. Pette viajou para Londres!
Todos os olhares se
dirigiram para Francis, mas ele encolheu-se.
— Reger o coro,
eu? Na catedral, diante da cidade inteira? Não… não consigo…
As opiniões se
dividiram. Eram problemas demais para cabeças tão jovens. Num
canto, o pequeno Daniel ouvia tudo em silêncio, os olhos brilhando
com as lágrimas mal contidas. Sem os outros perceberem, saiu
discretamente do salão e dirigiu-se ao interior da igreja para fazer
o que aprendera com sua falecida mãe: rezar diante do presépio.
Enquanto orava,
prestou atenção nas imagens dos anjinhos músicos e pensou: “É,
eles tocam e cantam felizes porque estão à espera de alguém muito
querido que vai chegar. E nós estamos tristes porque aquele a quem
tanto queremos está indo embora...”
Em certo momento,
teve uma ideia e voltou apressadamente para o salão.
* * *
Uma fraca luz
iluminava o quarto do hospital onde a enfermeira olhava sem muita
esperança a fisionomia pálida de Mr. Pette. “Pobre homem —
pensava ela — o que poderá tirá-lo desse letargo?”
Nisso, as notas
harmoniosas de uma música encheram o ambiente. Abriu a janela e,
surpresa, viu um grupo de meninos que cantavam ali, a menos de dois
metros da cabeceira do doente:
“A thrill of
hope the weary world rejoices, For yonder breaks a new and glorious
morn…”
Que melodia
maravilhosa! Mas ali era um hospital... e seu dever era impor
silêncio aos pequenos cantores. Quando ia fazê-lo com um enérgico
gesto, um gemido do enfermo lhe chamou a atenção. Mr. Petterson
havia despertado! Estava consciente! O misterioso dom que envolve as
melodias conseguira tirar da letargia aquele homem que dedicara sua
vida à música e aos pobres órfãos.
Do lado de fora,
Daniel e seus amigos cantavam com toda a força, e com o máximo de
perfeição. Pela reação favorável da enfermeira, ele percebeu que
seu plano dera resultado, e sentiu as lágrimas brotarem de seus
olhos.
* * *
Na Missa do Galo,
não havia espaço nem para um alfinete, na catedral de Northampton.
Francis regia com desenvoltura o coro, que cantava radiante. Sentado
numa cadeira de rodas bem na frente, Mr. Petterson aprovava, acenando
com a cabeça.
Quando Daniel entoou
o solo que lhe cabia na peça, os assistentes pareciam reter a
respiração, ouvindo sua voz cristalina e inocente ecoar pelas
ogivas:
O night divine,
the night when Christ was born, O night, o holy night, o night
divine!
Seu querido mestre
sorria, encantado. Mas o pequeno solista olhava sobretudo para o
Menino Jesus no presépio, para os anjinhos músicos, e pensava:
“Sim, os anjinhos... A música opera milagres, mas ela certamente
não o faz sozinha!”
Revista Arautos do Evangelho n.60. dez 2006
Revista Arautos do Evangelho n.60. dez 2006
Apresentação Musical na catequese da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
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