Num antigo mosteiro do norte da
Europa vivia um piedoso frade chamado Rodolfo, grande devoto da Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Com frequência, ele se refugiava aos pés de um grande crucifixo
que era muito venerado na capela, não só pelos religiosos, mas também pelo povo
da região.
Ali, gostava Frei Rodolfo de
meditar especialmente sobre estas palavras do Divino Redentor: “Meu Deus, meu
Deus, por que Me abandonastes?”. Queria ele, de alguma forma, consolar o Senhor
naquela situação de agonia e abandono. E um dia, movido por este nobre e
generoso desejo, decidiu fazer-Lhe uma ousada súplica. Ajoelhando-se aos pés da
santa imagem, rezou nestes termos:
— Senhor, vejo o quanto Vós
sofrestes por todos nós. Eis-me aqui, vosso pobre filho, venho solicitar-Vos
algo especial: concedei-me a graça de ficar crucificado em vosso lugar,
padecendo por Vós.
Tocado por uma graça de
profunda piedade, o bom frade não tirava os olhos da cruz, como esperando uma resposta.
Por isso, não se surpreendeu ao ver a imagem tomar vida e dizer-lhe:
— Meu filho, vejo com agrado
teu desejo de consolar-Me na cruz. Mas, sabes bem o que Me pedes?
— Sim, Senhor, não quero outra
coisa!
— Pois bem, Eu assumirei teu
ofício de monge e tu ficarás aqui crucificado em meu lugar. Mas com uma
condição: aconteça o que acontecer, vejas o que vires diante de ti, sempre
deverás guardar silêncio. Aceitas?
— Sim, Senhor, aceito — respondeu
Frei Rodolfo.
Jesus assumiu então as feições
de Frei Rodolfo e ocupou seu lugar na comunidade, exercendo de modo perfeito
suas funções. E o frade sofria na cruz, mas consolava-se em saber que estava
aliviando os padecimentos do Divino Mestre em Sua Paixão.
Passaram-se assim os dias, e
Frei Rodolfo, imóvel, observava as pessoas que vinham rezar na capela; mas,
fiel à sua promessa, não dizia uma palavra sequer. Certa tarde, viu entrar o
joalheiro da cidade vizinha, com uma pequena bolsa cheia de pedras preciosas.
Ajoelhando-se aos pés do crucifixo, ele pediu ao Senhor para ajudá-lo a fazer
bom uso daquelas pedras que acabara de comprar, por bom preço, de um mercador.
Mas ao sair, sem ele perceber, a bolsinha desprendeu-se do cinto, ficando sobre
o banco.
Pouco depois, entrou um homem
de aparência desonesta e atitudes suspeitas. Olhava para todos os lados, como
quem procura algo ou... quer saber se está ou não sendo observado. Deteve-se
durante alguns instantes, com ares de cobiça, diante dos castiçais de prata do
altar. Frei Rodolfo teve um impulso de gritar-lhe que não tocasse neles... mas
se conteve a tempo. Prosseguindo seu caminho, o estranho personagem
aproximou-se do banco onde estivera o joalheiro e percebeu lá a pequena bolsa.
Abriu-a logo, viu o tesouro nela contido, sorriu de satisfação, olhou novamente
para todos os lados e saiu a toda pressa.
Frei Rodolfo sentiu-se aliviado
por ter conseguido manter sua promessa, mas ao mesmo tempo indignado com esse
roubo em lugar sagrado. Alguns instantes depois, entrou uma jovem camponesa,
com uma maleta na mão. Vinha pedir proteção para a viagem de trem que ia fazer.
Ajoelhou-se no local exato onde estivera pouco antes o joalheiro.
Logo em seguida, este voltou,
em busca de sua bolsa perdida. Não a viu no banco, nem no chão. Supondo que
ninguém mais tivesse entrado na capela... desconfiou da pobre moça e começou a
acusá-la de roubo, ameaçando chamar a polícia.
Para Frei Rodolfo, era demais
essa injustiça! Ele não conseguiu manter-se calado. E então, reboou no recinto
sagrado uma voz forte e clara:
— Não faça isso! Ela é
inocente!
Assustados ao ouvir essa voz
que, sem dúvida alguma, vinha do crucifixo, o comerciante e a jovem camponesa
saíram correndo...
À noite, uma luz sobrenatural
invadiu a capela. Era Jesus Cristo que entrava. Com tristeza, comunicou a Frei
Rodolfo que deveria descer da cruz, pois não cumprira o prometido e, portanto,
não poderia mais ocupar Seu lugar.
— Senhor, eu peço perdão... Mas
como poderia ficar calado diante de tamanha injustiça?
Jesus lhe respondeu:
— Oh! Veja como a realidade é
bem mais complexa do que pensam os homens... O ladrão, que até então a polícia
não tinha conseguido agarrar, foi afinal preso ao tentar vender... falsas
pedras preciosas. Isso evitou um grande prejuízo para o joalheiro, pois assim
ele conseguiu anular o mau negócio feito com o mercador e receber seu dinheiro
de volta. Quanto à jovem camponesa — coitada! — houve um acidente na viagem, e
ela ficou gravemente ferida; melhor teria sido que a injusta acusação a fizesse
perder o trem... Tu não sabias de nada disso, mas Eu sim. Por isso, ter-Me-ia
mantido calado.
Mansamente, o Senhor voltou
para a cruz e retomou Seu divino silêncio. E Frei Rodolfo, agora mais sábio e
humilde, reassumiu seu posto na comunidade.
* * *
Não é raro ficarmos aflitos,
quando Nosso Senhor Jesus Cristo não atende imediatamente aos nossos pedidos.
Muitas vezes, Deus permanece num silêncio incompreensível para nós, mas Ele
conhece o que mais nos convém. Saibamos respeitar Suas paternais demoras. Mesmo
quando Deus parece calar-Se, Ele nos atende da forma mais proveitosa para nossa
alma!
Caroline Fugiyama Nunes - Revista Arautos do Evangelho n.88 abril 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário