sábado, 22 de novembro de 2014

O GRANDE PREGADOR

Anselmo e Mário, dois grandes amigos, não podiam ser mais diferentes um do outro, no que diz respeito aos dotes da natureza. O primeiro era talentoso, elegante, rico e de boa família. O segundo, pobre e apagado. Entretanto, por cima de todas essas diferenças, algo os unia estreitamente: ambos eram grandes de alma.
Naquela manhã de domingo, Anselmo comunicava a seu amigo que estava de partida para ingressar como noviço no Convento de São Domingos.
— Quero ser pregador, como bom filho de São Domingos, para converter muitas almas a Cristo e divulgar a devoção do Santo Rosário.
Embora triste, por ver romper-se um convívio de muitos anos, Mário felicitou seu amigo e o incentivou a seguir avante naquela sublime vocação.
— Ficaremos sempre unidos pela oração. Rezarei muito para que sejas um grande pregador santo — respondeu, dando ênfase ao adjetivo santo.
Poucos meses depois, Mário conseguiu um meio de alojar-se também no Convento de São Domingos, onde prestava pequenos serviços à comunidade. E... de vez em quando conversava um pouco com seu estimado amigo, ao qual repetia sempre:

— Rezo sem parar para que sejas um grande e santo pregador!
Chegou, enfim, o esperado dia da ordenação sacerdotal de Anselmo. Seu primeiro sermão arrebatou e comoveu os fiéis. Desviando de vez em quando o olhar dos assistentes, o pregador via Mário num canto da igreja, desfiando discretamente as contas de seu Rosário. “É por mim que ele está rezando!” — pensava, agradecido.
Ao cabo de poucos anos, Frei Anselmo tornou-se um pregador famoso. De todas as partes vinham-lhe solicitações de párocos e bispos.
Além de inteligente e culto, ele preparava com esmero suas pregações. E os bons efeitos eram atestados pelas numerosas conversões e surtos de reafervoramento espiritual em todos os lugares onde se faziam ouvir suas ardorosas palavras.
Mário continuava no convento, onde passou a ser chamado de “Irmão Mário” pelos monges. Homem jeitoso, ele conseguiu um meio de acompanhar Frei Anselmo em todas as viagens, para “cuidar de suas coisas”. E — detalhe curioso! — não perdia um sermão sequer. Lá estava sempre ele, com seu grande Rosário nas mãos, rezando, rezando...
Mas, como fazia Frei Anselmo para arrebatar e converter as multidões?
Numa Sexta-Feira Santa, o Bispo o encarregou de fazer a homilia sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na Catedral apinhada de fiéis, todos ouviam atentamente. Chegando ao ponto em que o Divino Redentor inclinou a cabeça e expirou, ele fez uma pequena pausa, depois disse estas simples palavras:
— E Deus morreu!...
O respeitoso silêncio foi quebrado por soluços, em muitas faces corriam as lágrimas. A divina tragédia do Filho de Deus morto na Cruz tocara a fundo os corações.
Em outra oportunidade, era noite de Natal. Depois de compor cuidadosamente, na imaginação de seus ouvintes, a cena viva da Gruta de Belém, o grande pregador chamou a atenção para o transcendental acontecimento que ia se dar naquele momento e acrescentou:
— Então, o Filho de Deus se fez Menino e pousou sorridente nos braços de Maria!
Houve na igreja uma explosão de alegria. A emoção tomou conta de homens e mulheres, crianças, adultos e anciãos. Daqueles corações subia para o Deus Menino uma onda de ternura, de afeto e de adoração.
Mais alguns anos decorreram, ao longo dos quais cenas como essas eram habituais na movimentada vida de Frei Anselmo. Por onde ele passava, ia ficando um rastro de conversões, de mudança radical de vida, de fervor renovado.
Até que um dia...
Sim, em certo dia de grande solenidade, o famoso pregador subiu ao púlpito e pronunciou as primeiras palavras do sermão enquanto olhava maquinalmente para o local onde costumava colocar-se o bom Irmão Mário. O lugar estava vazio. Onde estaria ele? — perguntou-se, preocupado.
Mas, enfim, Frei Anselmo tinha de preocupar-se com a homilia. Seguiu, pois, em frente. Como sempre, as idéias se formavam com toda clareza em sua mente e suas palavras límpidas e claras ressoavam pela vastidão do imenso templo. Mas — coisa estranha! — nas almas elas não ecoavam. Esforçou-se mais o pregador, pondo em jogo os imensos recursos de sua arte oratória para mover aqueles corações a uma atitude interior de fé e de piedade... Em vão!
O que teria acontecido?
Terminada a Missa, Frei Anselmo retornou ao Convento e perguntou ao porteiro:
— Onde está o Irmão Mário?
— Faleceu há cerca de meia hora. Seu corpo está na cela, ainda quente.
Após rezar junto ao corpo sem vida de seu velho e fiel amigo, o pregador quis saber o motivo dessa morte, tão inesperada para ele. O Padre Reitor explicou-lhe:
— Nos últimos meses o Irmão Mário dava indícios de estar gravemente enfermo, mas se recusava a descansar, alegando sempre que precisava “cuidar das coisas do Frei Anselmo”.
— Mas, o que mais fazia ele?
— Muitas orações! Rezava incansavelmente. Quando alguém lhe perguntava para quem eram tantas orações, ele respondia apenas: “Nossa Senhora sabe”.
— Ele era um santo — comentou Frei Anselmo, comovido.
— E muito...
O grande pregador continuou sua vida de intenso apostolado, mas sentia que tinha havido uma grande e inexplicável mudança. Preparava com o máximo de esmero seus sermões. As palavras fluíam-lhe dos lábios com abundância e clareza. Os fiéis o escutavam com agrado. Porém, não davam demonstração alguma de contrição, nem de fervor.
Algo havia desaparecido. O que seria?
Na Missa solene da festa de São Domingos, Frei Anselmo falava... falava... para ouvidos atentos mas corações fechados. Em certo momento, calou-se, como que tocado por uma visão, e começou a empalidecer. Alguns assistentes o ampararam e levaram para a sacristia. Ali mesmo, ouviu de um médico este diagnóstico:
— Estafa grave, Padre. O senhor precisa mudar de ares, repousar.
Esboçando leve sorriso, Frei Anselmo respondeu:
— Não... Não, nada disso! É ele... com suas intermináveis orações! A causa de todas aquelas conversões era ele, meu pobre amigo! Levem-me ao túmulo do Irmão Mário.
Lá chegando, o famoso pregador chorou longamente, humilhado, sim, mas convertido. Afinal, iluminado pela graça, havia compreendido que todo o êxito de seus sermões se devia, não à sua brilhante oratória, mas às fervorosas orações do humilde Irmão Mário.
Como uma benfazeja torrente de luz, vieram-lhe à mente as recordações de seus estudos sobre o indispensável papel da graça para mover as almas à conversão. Sim, os discursos mais lógicos, mais brilhantes são incapazes de suscitar qualquer bom movimento de alma. Quem converte é Deus, pela graça. E esta se obtém pelas orações, através da Virgem Santíssima.
Agora Frei Anselmo via com clareza a importância do Irmão Mário, o simples, o apagado... o poderoso Irmão Mário! Permaneceu durante várias horas diante do seu túmulo, rezando serenamente. Aproximando-se dele, o Padre Reitor lhe perguntou:
— Então, pedindo ao bom Irmão Mário o restabelecimento da saúde?
— Não, Padre Reitor, pedindo a virtude da humildade! — respondeu o grande pregador, levantando o rosto marcado pelos sulcos das lágrimas.
 Ir. Lucília Haddad – Revista Arautos do Evangelho - Out 2004


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário