Contemplando o sol
que declinava no horizonte, Joana pensava em seu destino, em companhia de
Fernando, o filhinho de seis anos. Depois de algum tempo de silêncio, debruçou
a cabeça sobre os braços e pôs-se a chorar. Qual a causa dessa dor?
Joana ficara viúva
havia pouco tempo. Luís, seu marido, morrera na primavera anterior. Era um moço
muito estimado na vila. Graças a seu espírito empreendedor, conseguira com
algumas economias comprar a casinha em que agora se encontravam Joana e o
pequeno Fernando.
A aquisição, porém,
não só lhe absorveu tudo quanto havia poupado, mas ainda o obrigou a contrair
algumas dívidas, que contava pagar aos poucos. A morte prematura — vítima de
uma epidemia que irrompeu na vila, deixando muitas famílias no luto e na
tristeza — veio interromper seus planos.
Luís trabalhara muito
dedicadamente para um rico proprietário, o qual, em recompensa, lhe emprestara
oitocentos francos para a aquisição da pequena propriedade. O jovem se
comprometera a pagar cem francos por ano ao seu protetor. Sete prestações
haviam sido quitadas com pontualidade, faltava apenas a última. Mas, durante a
epidemia, faleceu também o credor de Luís, e agora seus herdeiros exigiam da
viúva o pagamento da importância total de oitocentos francos.
Em vão Joana jurou e
garantiu que só faltavam cem francos. Não tendo, porém, nenhum recibo ou
qualquer outra prova, o juiz decidiu que a propriedade seria vendida para
saldar a dívida do esposo falecido. Assim, no dia seguinte a casa seria
penhorada e ela, além de ter perdido o marido, ficaria também sem abrigo.
Por isso a pobre
viúva, olhando para o céu naquela tarde, se mostrava tão triste: seria aquela a
última noite que passaria no seu pequeno lar.
* * *
Fernando, sem
entender bem o que se passava, chegou-se à mãe e lhe disse:
— Mamãe, não chore
mais. Lembre-se do que papai dizia antes de morrer: “Deus é o protetor das
viúvas e o pai dos órfãos. Em todas as dificuldades, rezem a Ele. Deus velará
por vocês, não os abandonará”. Não era assim que ele falava?
— É, sim, meu filho —
respondeu Joana, suavemente consolada com a lembrança dessas palavras.
— Então, por que
mamãe chora tanto? Reze a Deus, Ele nos há de socorrer...
— Tem razão, meu
filho — concordou ela, abraçando o menino que soubera confortá-la com palavras
tão inesperadas numa criança de sua idade.
A jovem mãe
ajoelhou-se, juntou as mãos e começou a rezar com fervor:
— Ó Pai Nosso, por
meio de vossa Mãe, eu Vos peço, ouvi a prece de uma pobre mãe aflita e de um
órfão desamparado! Não temos socorro algum neste mundo, mas Vós sois
todo-poderoso e por isso Vos invocamos em nossa aflição. Não permitais que a
injustiça nos expulse desta casa.
* * *
Ao terminar essa
prece, a jovem viúva sentiu-se profundamente comovida. Fernando, que olhava
pela janela, de repente gritou:
— Olhe, mamãe, olhe!
É uma estrela que se move, olhe!... Agora subiu... Desce mais para perto de
nós!... A estrelinha vem entrando pela janela, mamãe!... Olhe como é bonita!...
— É um pirilampo, um
vaga-lume, meu filho. De dia parece um bichinho comum, mas à noite brilha
muito, como você está vendo.
— Posso pegar, mamãe?
Ele queima a gente com aquela luzinha?
— Não, não queima,
meu filho. Você pode pegar à vontade. É uma luzinha fria, pode pegar sem
receio.
Fernando não esperou
mais. Correu atrás do vaga-lume que penetrara no quarto e caíra no chão. Mas
não conseguiu apanhá-lo, pois o bichinho meteu-se embaixo de um grande armário.
— Eu o estou vendo
daqui, mamãe. Mas não consigo alcançá-lo... Como brilha!
— Espere um pouco,
meu filho. Logo ele vai sair daí e então você poderá pegá-lo.
Fernando esperou um
pouco. Mas, impaciente por deitar a mão no vagalume, suplicou à mãe:
— Ajude-me, mãezinha,
ajude-me! Faça-o sair dali... Ou então afaste um pouco o armário, que eu então
o alcanço...
Joana levantou-se
para satisfazer o filho, e com um pouco de esforço conseguiu arredar o armário.
O menino pegou o inseto, meio receoso a princípio, e começou a examiná-lo. O
mais curioso foi que, ao afastar o armário da parede, alguma coisa caiu lá
atrás, produzindo um pequeno ruído. Joana abaixou-se para ver de que se tratava
e apanhou uma espécie de caderneta, com anotações e documentos.
Que seria?
* * *
A jovem viúva pôs-se
logo a examinar o achado, à luz da vela, e não pôde evitar um grito de surpresa
e alegria. Era um caderno de notas sobre os negócios do marido. Ali se achavam
anotadas as prestações por ele pagas ao rico proprietário que lhe emprestara
oitocentos francos! E entre as folhas ela encontrou um documento de quitação:
“Declaro que no dia de São Martinho ajustei contas com Luís Blum, o qual agora
me deve somente cem francos”.
Era a salvação tão
ansiosamente esperada... Era a prova que lhe faltava, era Deus, enfim, que
mandara aquele vagalume para indicar o lugar onde estavam as contas do marido.
Por isso ela ergueu os olhos para o alto, em sinal de gratidão a Nosso Senhor e
a sua Mãe Santíssima, e depois abraçou o filho, transbordando de alegria pelo
verdadeiro milagre que acabara de acontecer.
O pequeno Fernando, a
quem ela explicara o significado daquele documento, respondeu-lhe
graciosamente:
— Fui eu, mamãe, fui
eu que descobri! Se eu não pedisse para afastar o armário, a senhora não teria
encontrado o papel...
— Sim, meu querido
filho, foi você. Mas foi principalmente Deus, que mandou o bonito bichinho,
para nos dar oportunidade de afastar o armário e descobrir a caderneta. A Ele é
que devemos agradecer, a esse Deus de bondade, que tão prontamente atendeu as
nossas preces. Foi Deus que nos mandou o pirilampo, meu filho!
* * *
No dia seguinte,
Joana saiu muito cedo, dirigindo-se à moradia do juiz. O magistrado atendeu-a
prontamente e, reconhecendo a autenticidade da quitação de dívida, mandou
chamar o principal herdeiro.
Este, lendo o
documento, ficou confuso, sem saber o que dizer. Por fim, arrependido do que
fizera, exclamou:
— Há aqui, sem dúvida
alguma, o dedo da Providência! Perdoe-me, Da. Joana, pelo modo como a tratei,
pelas tristezas e aborrecimentos que lhe causei. E para compensá-la de alguma
forma, faço-lhe presente dos restantes cem francos. A senhora não me deve mais
nada. Vejo que Deus a quis salvar; de minha parte, quero fazer o que estiver ao
meu alcance. Portanto, se de futuro vier a precisar de alguma coisa,
procure-me, terei prazer em ajudá-la. Estou vendo que a senhora tem confiança
em Deus, e essa confiança é mais preciosa do que todo o ouro do mundo.
Maria Teresa Ribeiro
Matos – Arautos do Evangelho · Novembro 2005
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