domingo, 7 de junho de 2015

Uma carta para Deus

Jorginho sempre fora um bom menino, educado e obediente. Havia perdido os pais quando ainda era um bebê e vivia com a avó materna, dona Clara, quem cuidava do pequeno com todo carinho. Ela fazia doces, salgadinhos e bolos para vender, sendo o meio de sobrevivência dos dois, e moravam em uma casinha humilde, mas própria.
Todos na pequena cidade os conheciam, pois, bem cedinho ia a piedosa senhora à Missa, levando pela mão o netinho, desde que aprendera a andar. Ele ainda não fizera a Primeira Comunhão, no entanto, iniciara as aulas de catequese antes mesmo de principiar os estudos escolares. Durante a Missa, ficava quietinho e prestava muita atenção em todos os movimentos do sacerdote, sobretudo na hora da Consagração, quando, de joelhos e com as mãozinhas postas, fixava seus olhos vivos e escuros na Sagrada Eucaristia e dizia baixinho, conforme aprendera com a vovó:
— Meu Senhor e bom Deus!

Terminada a celebração, depois de uma longa ação de graças, dona Clara o conduzia até o altar de Nossa Senhora do Rosário e, juntos, rezavam três Ave-Marias, pedindo proteção para mais aquele dia.
De volta a casa, Jorginho gostava de ajudar com os docinhos, e colocava os brigadeiros, bom-bocados e cajuzinhos nas forminhas douradas e prateadas, bem como dispunha os confeitos coloridos sobre os bolos de aniversário, fazendo bonitas figuras, encantado com as cores. À tarde, invariavelmente acompanhava a avó na entrega das encomendas.
Caída a noite, rezavam o terço junto ao oratório dedicado à Sagrada Família na sala da residência e, depois do jantar, chegava a hora preferida do menino: dona Clara lhe contava muitas histórias! Ela era especialista em adornar com detalhes e pormenores os episódios, maravilhando o pequeno, pois entre príncipes, princesas, santos e anjos, com frequência apareciam flores bonitas e perfumadas, pássaros gorjeando, sinos bimbalhando e fontes rumorejantes, que depois de passarem por rios caudalosos, desembocavam em um mar imenso, cor de esmeralda, com ondas espumantes, morrendo em praias de areia branca, parecendo açúcar. Contudo, o mais atraente para ele eram as plumas dos chapéus dos cavaleiros, suas botas com esporas afiadas, as asas multicores dos anjos ou a doçura do olhar de Jesus e a bondade de Maria.
Assim ia se desenvolvendo Jorginho, piedoso, responsável e muito inocente. Começando a frequentar a escolinha, logo aprendera a ler e escrever. Estando mais crescido, por ser a cidade bem tranquila, já podia fazer algumas entregas para a avó, e os fregueses ficavam admirados com o amadurecimento daquela criança de tão pouca idade.
Em uma manhã chuvosa, entretanto, sua avozinha não se levantou para a Missa. Preocupado, o menino foi ao quarto para ver se havia acontecido alguma coisa. A pobre senhora chorava baixinho, pois se sentia muito mal. Aflito, ele chamou a vizinha, dona Adalgisa, muito amiga de dona Clara. Veio ela, apressada, disposta a ajudar. Vendo a dramática cena, chamou o médico da família, que não tardou em chegar. Examinando-a, recomendou um remédio e muito repouso, pois a doença podia ser grave se não repousasse. E, nesse caso, deveria ir para a capital, pois ali não teriam recursos para tratá-la.
Naquele dia, Jorginho foi sozinho à Missa e à escola, fazendo toda a entrega das encomendas da avó. Todavia, os dias iam se passando e dona Clara não se curava, não cozinhava e o dinheiro foi se escasseando, pois seu remédio era muito caro. Por mais que dona Adalgisa fosse solícita, também ela não tinha posses para tal emergência.
Passada uma semana, o menino não teve dúvidas: começou resolutamente a escrever uma carta, com uma letra ainda insegura e infantil. Com decisão fechou o envelope e saiu sozinho, para entregá-lo ao destinatário. Entrou na igreja com passos rápidos e estava a ponto de o colocar no cofre das esmolas, quando foi interrompido por um distinto senhor:
— Que está fazendo, meu rapazinho?
— Estou colocando esta carta na caixa do correio do Céu.
— Como é isso? — indagou o homem.
Jorginho, então, explicou toda a situação. E como a avó sempre lhe ensinara ser atendido todo pedido feito ao bom Deus com fé, resolvera pedir sua cura, pois ainda era muito pequeno para sustentá-la e ela não podia mais trabalhar. O interlocutor, enternecido, disse:
— Dê-me a carta, pois a encaminharei a seu destino. Porém, onde está o endereço para a resposta?
— Ah, não precisa. O bom Deus não sabe onde moro?
— Claro que sabe! — retrucou o cavalheiro — Mas pode dizer, para eu saber também?
Jorginho voltou para casa contente, seguro de estar o bom Deus lendo a carta, logo solucionando o caso.
Não se enganara o menino, pois naquela mesma tarde foi entregue em sua humilde casinha uma caixa contendo o remédio da avó, com um cartão, onde estava escrito: “Resposta do bom Deus”. Exultante de alegria, o pequeno contou tudo para ela, que, emocionada, tomou o remédio, sentindo voltarem a seu corpo exausto as forças, pelas energias da fé inocente do netinho.
No dia seguinte, o senhor da igreja tocou a campainha. Era ele um médico da capital que estava ali de passagem, em visita à aprazível cidadezinha. Conhecia bem a doença de dona Clara e tratou dela o tempo necessário, trazendo da cidade outros remédios mais eficientes.
Ele não abandonou a boa senhora até poder ela, outra vez, fazer os doces e salgadinhos, voltando a frequentar a igreja e a cuidar de Jorginho, que não via a hora de receber a Primeira Comunhão para sentir em seu coração a presença do bom Deus, que nunca deixa de ouvir todos os nossos pedidos feitos com fé!
Irmã Lucília Maria Ribeiro Matos, EP
Revista Arautos do Evangelho – ago 2012


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