quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Assim nos trata Deus...

Naquele ano, fortes temporais castigaram a região montanhosa onde viviam os avós de Caio. Ali predominavam pequenos vinhedos e vinícolas artesanais. Os frutos colhidos tinham um sabor todo especial, devido ao clima e à composição do solo, fazendo com que a produção chegasse até à capital e crescesse a fama de seus vinhos, de singular degustação. Com o mau tempo, porém, a safra se prejudicara e, por conseguinte, a preparação da bebida, levando muitas famílias a passarem sérias dificuldades.
Caio tinha encanto pela propriedade dos avós e, a cada ano, quando terminavam as classes, fazia as malas para viajar às montanhas e passar as férias com eles, a quem tanto queria. Dona Ana e o senhor Alfredo sempre o esperavam de braços abertos, pois o neto era a alegria da casa. Muito vivo, logo cedo ele acompanhava o avô na lida do campo, fazendo festa para cada cacho de uva que conseguia colher, ficando nas pontinhas dos pés, e se não Os frutos colhidos naquela região tinham um sabor todo especial fosse o cuidado do amável e atento ancião entraria lagar adentro, para também espremer as uvas. Ao entardecer, todos se reuniam no salão, patrão e empregados, onde rezavam juntos o Rosário à Virgem Santíssima, e à noite, depois do saboroso jantar feito em fogão a lenha, a prosa se estendia e dona Ana contava-lhe belas histórias, enquanto tricotava.

Como seriam aquelas férias? Apesar da temporada não estar propícia, pois as estradas estavam precárias, vários desabamentos tinham ocorrido e os ares de tragédia sopravam na área vinhateira, a insistência do menino acabou vencendo a resistência dos pais e afinal viajaram.
Chegando à fazenda, puderam comprovar a desolação: grandes áreas alagadas, uvas apodrecidas nas cepas e os lagares vazios, por falta de frutos. Os trabalhadores estavam parados e se não fossem as economias do avô estariam passando por grandes necessidades. As chuvas já haviam cessado; contudo, agora se tratava de tentar recuperar o que restara. O senhor Alfredo, como tinha as terras menos danificadas, percorria propriedades vizinhas, ajudando os mais carentes, e às vezes levava o neto.
Caio ficara um tanto assustado, pois era a primeira vez que tomava contato com tão grandes calamidades. Todos os dias acompanhava também a avó à igreja do povoado, onde a população se reunia para, depois da Missa vespertina, rezar uma novena à Padroeira, pedindo auxílio em tão grave emergência. Ele já havia feito a Primeira Comunhão e, em sua ação de graças, pedia com ardor a Jesus escondido em seu peito inocente que tivesse pena daquela gente, e consolasse as crianças, pois havia visto algumas chorando de fome nos rincões mais afetados, quando ali estivera com o avô.
Uma tarde, quando regressavam da igreja, a avó resolveu passar pela venda para umas comprinhas. Por coincidência, ali estava o Dr. Augusto, prefeito da capital, que viera ao povoado para ver os prejuízos e apresentar um projeto de ajuda na recuperação das propriedades e vinícolas mais atingidas. Ele sorriu para a avó e seguiu tomando seu lanche e conversando com seus secretários a respeito dos planos de assistência à zona. De repente, todos viram entrar um menino maltrapilho e bem pequeno, que, tímido, se encostara à parede do fundo do estabelecimento, fixando o chão, sem coragem de levantar os olhinhos úmidos. Caio o reconheceu imediatamente: era filho de um dos agricultores do recanto mais desolado que visitara com o avô. Devia estar com muita fome. O prefeito se aproximou e perguntou:
― Qual é o seu nome? Onde você mora?
Como o pequeno nada dizia, Caio se adiantou:
― Ele mora perto da ponte. Estive lá com meu avô. Coitadinho! Sua família perdeu tudo com as enchentes!
Dr. Augusto, com carinho, tocou-lhe o ombro, dizendo:
― Você está com fome, não está? Ele balançou a cabeça afirmativamente, sem levantar o olhar.
― Olhe, pode escolher o que você quiser comer aqui na venda, porque eu vou pagar tudo.
Só então a criança levantou os olhinhos marejados de lágrimas e esboçou um leve sorriso. Tomando-o pela mão, o prefeito levou-o até o balcão, para que escolhesse o que queria. No entanto, o pequeno escolheu apenas uma simples penca de bananas, pois esta continha o número exato que precisava para dar aos pais e irmãos.
― Só isso? ― retrucou o Dr. Augusto ― Leve mais! Sua família tem fome também. Você deve ter irmãozinhos. Leve para eles!
Armando-se de coragem, ele então pegou um queijo, outras frutas, leite e alguns pãezinhos. Depois de fazer seu suculento pacote, onde o prefeito acrescentara ainda vários doces e chocolates, voltou feliz para casa, pois pelo menos nesse dia não iriam dormir com fome.
A proprietária da venda, dona Adelaide, tudo observava sem dizer uma só palavra. Terminado o lanche, Dr. Augusto e seus acompanhantes se dirigiram apressadamente ao caixa para pagar a conta, pois já caía a noite e deveriam voltar à capital por caminhos cheios de curva e escorregadios. Ao perguntar quanto devia por seu lanche e pelo do garoto, dona Adelaide respondeu:
― Nada! Que tenha boa viagem, doutor! Tendo visto seu ato de bondade tão bonito, eu não podia fazer diferente com o senhor.
O prefeito, atônito, agradeceu e saiu, exclamando:
― Um povoado onde impera tal espírito caritativo entre seus habitantes, não há mau tempo que o possa destruir! Contem com nossa ajuda!
Dona Ana e Caio assistiram a cena com grande admiração, mas deveriam também voltar para casa. A piedosa senhora, conduzindo o neto pela mão, saiu dizendo:

― Assim nos trata Deus, meu filho! Vendo a liberalidade que temos para com os outros, é ainda mais dadivoso para conosco, dando-nos o cêntuplo. Nunca se esqueça: Ele jamais se deixa ganhar em generosidade! 
Irmã Ana Lúcia Iamasaki, EP - Revista Arautos do Evangelho 

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