A multidão alvoroçada se
reunira na praça e todos comentavam algo inusitado: ninguém mais conseguia
pescar!
- Acaso esgotaram-se os
peixes do mar? - perguntava um.
- Um maremoto se
avizinha? - interrogava outro.
- Os tubarões devoraram
os cardumes? - se aventurou a indagar uma criança...

Enquanto os habitantes
tentavam entender o motivo da tragédia, reuniam-se no escritório da basílica o
pároco e seus assistentes. Debatiam eles sobre a melhor forma de resolver outro
problema: afervorar o povo, que a cada dia se afundava mais na preocupação com
o dinheiro e as coisas materiais.
Vários intentos caíram
no vazio... Na última convocatória para uma procissão com o Santíssimo
Sacramento, o número de fiéis chegara apenas a meia centena, contando os
coroinhas, sendo que nas épocas de devoção ardorosa a aldeia em peso se
mobilizava. Os pais já não levavam os filhos à catequese, julgando ser perda de
tempo, e não mais acorriam aos Sacramentos.
Havia um mês alguns
monges tinham palmilhado bairro a bairro, pregando a importância do uso da água
benta, inclusive oferecendo a cada família belos potes de porcelana para
guardá-la. Contudo, poucos se interessaram. A maioria destes potes agora
"enfeitava" os armários da sacristia...
No calor do debate, o
toque do carrilhão anunciou o Angelus. Depois de rezá-lo, o padre Rafael saiu a
fim de se preparar para a Missa das seis e meia.
Entrando no templo, seus
olhos pousaram sobre Rubem e Marcelo, dois jovens irmãos que conversavam,
aflitos.
- Será que em todos os
mares do mundo vão acabar os peixes? Gostava tanto de ajudar papai a pescar de
madrugada - dizia Marcelo, o pequeno.
- É... e eu queria me
tornar um pescador experto! - acrescentava o mais velho.
Acercando-se, o
sacerdote os saudou.
Eles passaram a contar
como os pescadores da aldeia estavam confundidos com a situação... Até o
próprio pai! Atento aos pormenores da narração e percebendo o desconcerto de
suas inocentes cabecinhas, o padre disse:
- Vocês já rezaram,
pedindo a proteção de Deus? Venham aqui, pois tenho algo para lhes dar.
Na sacristia,
presenteou-os com dois dos potes de porcelana contendo água benta e instruiu-os
a respeito de seu poder para afastar os demônios, sobretudo os que infestam os
ares, promovem brigas e prejudicam a vida das pessoas.
Contentes como nunca,
voltaram para casa, ansiosos por apresentar aos parentes aquele poderoso
remédio. Porém, apenas assomaram na esquina, a mãe bradou:
- Estas são horas de
chegar? A noite caiu e alguma desgraça lhes poderia ter ocorrido no caminho!
Rubem retrucou com
segurança:
- Não nos passaria nada,
pois o padre Rafael nos deu esta água benta que afugenta os...
E sem deixá-lo terminar,
a mãe interrompeu:
- Sem dúvida o pote é
belo! Mas aí só tem água com sal. E se vão ao mar, o que verão? Água com sal...
e em maior abundância! Não acredito no poder dessas crendices...
Assim ela encerrou a
discussão e os dois foram dormir desapontados.
Ao raiar da aurora,
Rubem pensou em ir à basílica para pedir um conselho ao pároco. Foi chamar o
irmão e não o encontrou em sua cama. Onde estaria? Depois de muito procurá-lo,
desceu à praia, preocupado. Seguindo uns rastros, viu Marcelo sentado sobre as
pedras do cabo, molhando-se com as leves ondas que ali quebravam. Segurava a
cabeça com as duas mãos e olhava as águas, admirado. Que estaria vendo?
Percebendo a presença de
Rubem, Marcelo disse:
- Olhe! Veja que lindos
cardumes! Nunca tinha visto peixes como estes: uns azuis com amarelo, outros
vermelhos...
Aproximando-se, mas sem
entender se o irmãozinho estava desperto ou sonhando, Rubem olhou para a água
cristalina.
- Nossa! Voltaram os
peixes! E tão belos como estes tampouco tinha visto! - disse ele.
Marcelo explicou o que
se passara:
- Fiquei pensando
durante a noite nas palavras de mamãe... Vim para cá, bem cedo e joguei um
pouco de água benta na água do mar, para ver a diferença: no lugar onde caiu,
começaram a aparecer os cardumes.
Rubem pensou um pouco e
correu à igreja para avisar ao padre Rafael. Este, percebendo a mão de Deus no
fato, foi até a praia, apressadamente. Chegado à margem, viu quantos peixes
subiam das profundezas das águas. Eles só estavam, todavia, onde Marcelo
vertera água benta.
Convocou então os
pescadores, para que ali se reunissem. A multidão acudiu pressurosa para ver o
que estava acontecendo. Subindo num pequeno promontório, o religioso fez uma
prédica, explicando ao povo que a falta de peixes fora obra do demônio. Deus
permitira aquele mal por sua tibieza e falta de oração. No entanto, bastou a fé
de duas crianças inocentes e um pouco de água benta para afugentar o maligno
cheio de temor!
A assembleia o ouvia
imóvel e silenciosa.
O pároco pôs-se a
percorrer a praia, de norte a sul, aspergindo-a com o hissope. Depois, ordenou
aos pescadores que se afastassem da costa, lançassem as redes e... oh,
prodígio! Não conseguiam sequer subi-las aos barcos, tão pesadas estavam. Os
peixes, antes desaparecidos, pulavam entre as ondas, como se exultassem de
alegria. Jamais houvera pescaria tão abundante e de tamanha qualidade em seus
mares!
O povo caiu de joelhos,
louvando a Deus, e todos creram no poder da água benta. Um surto de fervor
inflamou a aldeia: a igreja voltou a encher-se aos domingos, a frequência aos
Sacramentos tornou a ser grande e a devoção à água benta cresceu, a ponto de
contagiar as cidades vizinhas.
Revista
Arautos do Evangelho – Agosto 2015
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