Irmã Ana Lúcia Iamasaki, EP
O rei Rigoberto era extremamente poderoso, pois seus domínios
se estendiam das montanhas ao mar. O reino era próspero e havia grande harmonia
entre os súditos. Todas as dificuldades de relacionamento surgidas entre os
habitantes eram resolvidas na catedral, pelo Bispo do lugar, Dom Edmundo. Homem
sábio e santo, não usava ele como argumento de juízo senão os Dez Mandamentos.
Desta forma, se sabia onde estava a verdadeira razão nos casos conflituosos e
tudo voltava à paz. A cada domingo, as Missas eram bem concorridas. Depois do
sermão do Prelado, as filas dos confessionários se enchiam e os padres
coadjutores eram testemunhas da imensa virtude e boa vontade daquela tão
piedosa população.
Apesar de tudo isso, o rei não era muito dado à Religião.
Sempre ia à Missa, é claro! Até tinha um trono no presbitério. Mas não fazia
mais do que isso...
Ao contrário dos vassalos e da rainha, não rezava nada e era
assaz orgulhoso. Nas reuniões do Conselho Real, manifestava enorme ambição,
querendo aumentar mais e mais sua renda e bem-estar particular, nunca estando
plenamente satisfeito com os resultados. Nem mesmo o fato de ele não ter
inimigos com quem guerrear e sua gente ser de paz o deixava contente.
Em uma clara manhã de primavera, o monarca se despertou
decidido a explorar seu vasto território, para vê-lo com os próprios olhos e Em
uma clara manhã de primavera, analisar se poderia fazer algo o monarca se
despertou decidido a explorar seu vasto território para aumentar seus benefícios
pessoais. Mandou arrear o mais belo corcel da cavalariça, vestiu o sedoso traje
de montaria de veludo, calçou as lustrosas botas de pelica com as esporas de
ouro e adornou-se com sua mais bonita capa, preparando-se para a longa
cavalgada. Acompanhado dos pajens e do chanceler real, saiu do palácio a
galope.
As flores estavam em pleno vigor e coloriam os jardins. O
trigo dourava os campos, as uvas perfumavam as vinhas, os moinhos giravam com a
força do vento, esmagando os grãos para a farinha mais fina, e os rebanhos de
bois, vacas, cabras e ovelhas pastavam mansos nos extensos e verdes campos de
sua propriedade.
O soberano foi ficando animado por ver a beleza e a grandiosidade
de suas posses. Contudo, algo o intrigava. Quanto deveria ganhar aquela gente
corada e saudável, para trabalhar tão contente? Ele, que tanto possuía, não
tinha tal felicidade... Aproximou-se do moleiro e disse:
— Bom dia, senhor moleiro!
Surpreso pela inesperada chegada real, limpando as mãos no
avental e tirando o gorro, respondeu ele, com respeito:
— Bom dia, Majestade! A que devo a honra de vossa presença?
— Estou visitando meu vasto e próspero reino. Diga-me uma
coisa: quanto ganha um moleiro para trabalhar no meu moinho?
— Ah, Majestade! Ganho 50 moedas reais e uma casinha, onde me
abrigo com minha família. Não é muito, no entanto, vivemos bem, pela graça de
Deus.
O rei se despediu e esporeou o cavalo, pensando: “Como alguém
pode viver feliz com apenas 50 moedas? Isso não dá para nada!”.
Aproximando-se das parreiras carregadas, viu vários
vinhateiros na lida: alguns colhiam as uvas, outros trabalhavam no lagar. À
chegada de tão nobre personagem, todos tiraram os chapéus de abas largas,
fazendo uma reverência. Chamando o capataz, disse:
— Bom dia, jovem!
— Bom dia, Majestade! — respondeu o rapaz, cheio de veneração
— Que ares trouxeram tão augusta presença a este lugar?
— Estou inspecionando meus domínios. Diga-me uma coisa:
quanto ganham seus subalternos para trabalhar na minha vinha?
— Cada um deles, Majestade, ganha 60 moedas reais e mais uma
gratificação pelas horas extras, no tempo da colheita, além da manutenção de
suas famílias. Não é tanto, porém, vivemos com certa folga e agradecemos a Deus
por não faltar trabalho.
Vendo a fisionomia sorridente de todos eles, despediu-se o
monarca, ainda mais intrigado: “Ganham tão pouco e ainda agradecem a Deus?!
Como pode ser isso?”.
Ao meio-dia, chegou a um campo aberto, onde pastava um sereno
rebanho de ovelhas. Encontrou o pastor com as mãos postas e o olhar elevado,
rezando o Angelus. Ao terminar a oração, depois de um solene sinal da cruz, ele
se virou para o rei e, fazendo uma inclinação profunda, tirou o chapeuzinho de
feltro, dizendo com um franco e sincero sorriso:
— Majestade! Que surpresa!
— Bom dia, senhor pastor! Estou percorrendo minhas
propriedades. Diga-me uma coisa: quanto ganha um pastor para guardar o meu
rebanho?
Olhando fixamente para o soberano, respondeu ele com firmeza:
— Um pastor em vossos campos, Majestade, ganha o mesmo que o
rei!
Tendo um sobressalto, este redarguiu:
— Como se atreve a dizer isso?! Um pastor não pode ganhar
muito mais do que um moleiro ou um vinhateiro, e eles não passam nem perto dos
lucros do rei! Sabe você quanto ganha um rei?
— Ora, Majestade. Com meu trabalho e minha vida, o que ganho
eu é o Céu ou o inferno, dependendo de minha conduta. Vossa Majestade não pode
ganhar nem mais, nem menos...
Ante tal resposta, o monarca caiu em si e compreendeu não ter
valor nesta vida senão o que nos prepara para a outra... Mais importa ajuntar
tesouros no Céu! E era isso o que fazia seu povo, razão de tão autêntica
alegria.
Voltando para o palácio, o rei apeou do cavalo e dirigiu-se a
pé para a catedral, a fim de buscar o santo Bispo, pois queria fazer uma boa
Confissão e retomar a vida de piedade, abandonada há tanto tempo. Agora
desejava entesourar no Céu e ser feliz! Os bons exemplos que passou a dar, a
partir de então, não só lhe trouxeram proveito para si, senão mais graças e
prosperidade para o povo e para o reino.
Todas as boas obras reunidas não igualam o valor do Sacrifício da Missa, porque aquelas são obras de homens, enquanto a Santa Missa é obra de Deus. (São João Maria Vianney)
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