quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Um misterioso amigo

No fim da floresta, já no sopé dos Alpes, viviam o Sr. Hans Holzfäller, um lenhador aposentado, e o pequeno Karl, seu neto de apenas dez anos. A família fora outrora numerosa, mas, passados os anos, ficara reduzida apenas a eles dois. Por isso, Hans decidiu deixar a velha cabana onde moravam. Pensou ele: “Este lugar é muito isolado, não é prudente vivermos tão afastados. Vou fechar nosso velho lar e mudar-me para alguma pequena casa perto da vila. Talvez no futuro alguém de nossa estirpe resolva voltar a viver aqui”.
Assim, começou a organizar a mudança e a fazer os últimos reparos antes de partirem. E numa daquelas tardes subiu ao telhado para verificar vazamentos. Então se deu o desastre: escorregou, caiu de grande altura e quebrou a perna de um modo bem feio. Atraído pelo grito do avô, Karl veio correndo ver o que se passara. Hans cobriu a perna com o casaco, para o sangue não assustar o garoto. Esforçando-se por conter a dor, disse pausadamente ao menino:

— Karl, estou muito ferido. Mas lembra-se de que conversamos para, em situações difíceis, rezar à Virgem e manter a cabeça fria?
— Sim! — Respondeu a criança, com o rosto pálido.
— Pois bem. Na situação em que estou, não posso ficar esperando alguém passar por aqui. Você precisa ir até a vila, chamar o doutor Grübber. Já estamos no começo da tarde e é uma boa caminhada até lá, mas, se andar rápido chegará antes do anoitecer. Sei que você nunca foi sozinho, e a floresta tem seus perigos, mas não tenho outra escolha. Vá, vista seu casaco e parta sem demora.
Antes de Karl sair, seu avô relembrou-lhe mais uma vez os detalhes do caminho, e juntos rezaram uma Ave Maria. Não sem aflição, Hans viu o menino desaparecer na sinuosa senda entre as árvores.
* * *
Infelizmente, o pequeno não conseguiu manter-se calmo e lembrar-se das instruções do avô. A trilha dividia-se muitas vezes, e em certo momento ele parou assustado e olhou em volta. “Não — pensou — eu nunca estive aqui! Este é o caminho errado!” Sentiu um frio dentro de si e gemeu: “Estou perdido!”
Voltou a caminhar, mudando várias vezes de direção e vendo, através da densa ramagem, o sol declinar perigosamente. O dia terminava e ele, cansado e sem rumo, sentou-se numa pedra, tomado pelo desânimo. A noite cai depressa na mata, e após algum tempo as trevas já haviam tomado conta de tudo.
Karl ouvia ruídos sinistros em meio à escuridão, e com pavor recordava histórias de crianças devoradas por lobos. Com o rosto entre as mãos, chorou longamente. Em certo momento, lembrou-se da recomendação do avô, de manter-se tranqüilo e rezar. Apertando entre as mãos uma medalhinha que trazia no peito, pôs-se em oração. Desfiou as preces que sabia. De repente, um ruído o assustou. Eram passos. Sem dúvida, alguém se aproximava. Um fósforo foi riscado e um antigo lampião a óleo acendeu-se. Pôde então ver a figura de um velhote barbudo com um chapéu antigo, o qual olhou-o com cuidado e perguntou:
— Que faz um garotinho sozinho na floresta?
— Por favor, senhor! Estou perdido, me tire daqui!
Atropelando as palavras, Karl contou-lhe o acidente acontecido com seu avô, e como era urgente buscar ajuda. Embora tivesse uma cara ranzinza, o velhote respondeu:
— Vou ajudá-lo! No entanto, estamos longe e só alcançaremos o fim da floresta ao amanhecer.
Tomou o menino pela mão e saíram pela trilha. O homem andava com toda segurança pela mata, nunca tropeçava e seus passos não faziam qualquer ruído. Enquanto caminhavam, seu jeito sereno foi tranquilizando Karl, e o pequeno então quis puxar conversa. Perguntou ao ancião como se chamava e o que fazia.
— Meu nome é Zacharias Dunkel, mas pode me chamar de Zack. Sou lenhador.
— Mas meu avô me disse que ele era o último lenhador desta região... — observou o menino.
O barbudo então deu uma risada curta.
— Sim, compreendo bem que o velho Hans não me conte mais entre os lenhadores. Mas não tem problema... Sabe, filho, durante toda a minha vida eu fui muito egoísta e resmungão, por isso as pessoas não gostam muito de mim. Julgo até ter umas dívidas com Deus... Então, quando vi você ali perdido, ouvi uma voz dizer-me: “Zack,é hora de você ajudar alguém que está precisando muito. De repente, com isso você consegue saldar seu débito, ou pelo menos uma parte dele...”
Andaram durante horas e, apesar de cansado e com sono, Karl não esmorecia, pois continuamente lembrava-se do avô ferido. E de fato, como havia dito o velho Zack, ao raiar da aurora chegaram às bordas da floresta, de onde já se avistavam as primeiras casas da vila.
— Bem, meu amiguinho, vá agora chamar o médico. Eu fico por aqui. Não posso sair da floresta e ir até o burgo. Só lhe peço o favor de contar ao Pe. Albert que eu lhe ajudei.
O menino não entendeu bem, mas despediu-se calorosamente de seu misterioso amigo e correu até a casa do doutor. Em breve este, acompanhado de outros homens a cavalo, partia em socorro do Sr. Hans. Algumas horas depois, ele já havia sido trazido à cidade, onde recebeu o devido atendimento e ficou fora de risco.
Passado o perigo, todos comentavam surpresos como o menino havia conseguido atravessar a floresta à noite. Quando ele contou quem o ajudara, ninguém acreditou.
— Como? Zacharias Dunkel? Não, você deve estar enganado! O velho Zack morreu já faz mais de 5 anos. Aquele lenhador ranzinza está enterrado lá no fundo do cemitério — disse o médico.
Alguém se lembrou de trazer um álbum antigo no qual havia uma foto amarelada dele. Ao vê-la, o menino confirmou:
— Pois é ele mesmo! Todos ficaram pasmos e boquiabertos. O Pe. Albert, que estava presente, então tomou a palavra:

— Meus caros amigos, para mim tudo parece claro como água. Zack — ninguém aqui ignora isso — não foi propriamente um homem mau, mas seu egoísmo era de fato um grande defeito. Não admira, pois, que tivesse contas a pagar no purgatório. Para mim, a Virgem Maria encontrou um jeito de atender aos três: ao menino que rezou fervorosamente, ao Sr. Hans que estava em risco de vida e, por fim, ao velho Zack... Não vamos esquecê-lo. Rezarei ainda hoje uma Missa pela sua alma, e todos estão convidados a comparecer. Quem sabe se, ao fim do Santo Sacrifício, ele já não estará no Céu?
Revista Arautos do Evangelho set 2007

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