No fim da floresta, já no sopé
dos Alpes, viviam o Sr. Hans Holzfäller, um lenhador aposentado, e o pequeno
Karl, seu neto de apenas dez anos. A família fora outrora numerosa, mas,
passados os anos, ficara reduzida apenas a eles dois. Por isso, Hans decidiu
deixar a velha cabana onde moravam. Pensou ele: “Este lugar é muito isolado,
não é prudente vivermos tão afastados. Vou fechar nosso velho lar e mudar-me
para alguma pequena casa perto da vila. Talvez no futuro alguém de nossa
estirpe resolva voltar a viver aqui”.
Assim, começou a organizar a
mudança e a fazer os últimos reparos antes de partirem. E numa daquelas tardes
subiu ao telhado para verificar vazamentos. Então se deu o desastre:
escorregou, caiu de grande altura e quebrou a perna de um modo bem feio.
Atraído pelo grito do avô, Karl veio correndo ver o que se passara. Hans cobriu
a perna com o casaco, para o sangue não assustar o garoto. Esforçando-se por
conter a dor, disse pausadamente ao menino:
— Karl, estou muito ferido. Mas
lembra-se de que conversamos para, em situações difíceis, rezar à Virgem e
manter a cabeça fria?
— Sim! — Respondeu a criança,
com o rosto pálido.
— Pois bem. Na situação em que
estou, não posso ficar esperando alguém passar por aqui. Você precisa ir até a
vila, chamar o doutor Grübber. Já estamos no começo da tarde e é uma boa
caminhada até lá, mas, se andar rápido chegará antes do anoitecer. Sei que você
nunca foi sozinho, e a floresta tem seus perigos, mas não tenho outra escolha.
Vá, vista seu casaco e parta sem demora.
Antes de Karl sair, seu avô
relembrou-lhe mais uma vez os detalhes do caminho, e juntos rezaram uma Ave
Maria. Não sem aflição, Hans viu o menino desaparecer na sinuosa senda entre as
árvores.
* * *
Infelizmente, o pequeno não
conseguiu manter-se calmo e lembrar-se das instruções do avô. A trilha dividia-se
muitas vezes, e em certo momento ele parou assustado e olhou em volta. “Não —
pensou — eu nunca estive aqui! Este é o caminho errado!” Sentiu um frio dentro
de si e gemeu: “Estou perdido!”
Voltou a caminhar, mudando
várias vezes de direção e vendo, através da densa ramagem, o sol declinar
perigosamente. O dia terminava e ele, cansado e sem rumo, sentou-se numa pedra,
tomado pelo desânimo. A noite cai depressa na mata, e após algum tempo as
trevas já haviam tomado conta de tudo.
Karl ouvia ruídos sinistros em
meio à escuridão, e com pavor recordava histórias de crianças devoradas por lobos.
Com o rosto entre as mãos, chorou longamente. Em certo momento, lembrou-se da
recomendação do avô, de manter-se tranqüilo e rezar. Apertando entre as mãos
uma medalhinha que trazia no peito, pôs-se em oração. Desfiou as preces que
sabia. De repente, um ruído o assustou. Eram passos. Sem dúvida, alguém se
aproximava. Um fósforo foi riscado e um antigo lampião a óleo acendeu-se. Pôde
então ver a figura de um velhote barbudo com um chapéu antigo, o qual olhou-o
com cuidado e perguntou:
— Que faz um garotinho sozinho
na floresta?
— Por favor, senhor! Estou
perdido, me tire daqui!
Atropelando as palavras, Karl
contou-lhe o acidente acontecido com seu avô, e como era urgente buscar ajuda.
Embora tivesse uma cara ranzinza, o velhote respondeu:
— Vou ajudá-lo! No entanto,
estamos longe e só alcançaremos o fim da floresta ao amanhecer.
Tomou o menino pela mão e
saíram pela trilha. O homem andava com toda segurança pela mata, nunca
tropeçava e seus passos não faziam qualquer ruído. Enquanto caminhavam, seu
jeito sereno foi tranquilizando Karl, e o pequeno então quis puxar conversa.
Perguntou ao ancião como se chamava e o que fazia.
— Meu nome é Zacharias Dunkel,
mas pode me chamar de Zack. Sou lenhador.
— Mas meu avô me disse que ele
era o último lenhador desta região... — observou o menino.
O barbudo então deu uma risada
curta.
— Sim, compreendo bem que o
velho Hans não me conte mais entre os lenhadores. Mas não tem problema... Sabe,
filho, durante toda a minha vida eu fui muito egoísta e resmungão, por isso as
pessoas não gostam muito de mim. Julgo até ter umas dívidas com Deus... Então,
quando vi você ali perdido, ouvi uma voz dizer-me: “Zack,é hora de você ajudar alguém
que está precisando muito. De repente, com isso você consegue saldar seu
débito, ou pelo menos uma parte dele...”
Andaram durante horas e, apesar
de cansado e com sono, Karl não esmorecia, pois continuamente lembrava-se do
avô ferido. E de fato, como havia dito o velho Zack, ao raiar da aurora
chegaram às bordas da floresta, de onde já se avistavam as primeiras casas da
vila.
— Bem, meu amiguinho, vá agora
chamar o médico. Eu fico por aqui. Não posso sair da floresta e ir até o burgo.
Só lhe peço o favor de contar ao Pe. Albert que eu lhe ajudei.
O menino não entendeu bem, mas
despediu-se calorosamente de seu misterioso amigo e correu até a casa do
doutor. Em breve este, acompanhado de outros homens a cavalo, partia em socorro
do Sr. Hans. Algumas horas depois, ele já havia sido trazido à cidade, onde
recebeu o devido atendimento e ficou fora de risco.
Passado o perigo, todos
comentavam surpresos como o menino havia conseguido atravessar a floresta à
noite. Quando ele contou quem o ajudara, ninguém acreditou.
— Como? Zacharias Dunkel? Não,
você deve estar enganado! O velho Zack morreu já faz mais de 5 anos. Aquele
lenhador ranzinza está enterrado lá no fundo do cemitério — disse o médico.
Alguém se lembrou de trazer um
álbum antigo no qual havia uma foto amarelada dele. Ao vê-la, o menino
confirmou:
— Pois é ele mesmo! Todos
ficaram pasmos e boquiabertos. O Pe. Albert, que estava presente, então tomou a
palavra:
— Meus caros amigos, para mim
tudo parece claro como água. Zack — ninguém aqui ignora isso — não foi
propriamente um homem mau, mas seu egoísmo era de fato um grande defeito. Não
admira, pois, que tivesse contas a pagar no purgatório. Para mim, a Virgem
Maria encontrou um jeito de atender aos três: ao menino que rezou fervorosamente,
ao Sr. Hans que estava em risco de vida e, por fim, ao velho Zack... Não vamos
esquecê-lo. Rezarei ainda hoje uma Missa pela sua alma, e todos estão
convidados a comparecer. Quem sabe se, ao fim do Santo Sacrifício, ele já não
estará no Céu?
Revista Arautos do Evangelho set 2007
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