segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Não ouses acender estes círios!

Terminada a Missa, os últimos fiéis deixavam aos poucos a igreja matriz de Santo Alexander, numa vila próxima à Bialystok, no leste da Polônia. Lá fora, caía a noite e o vento frio fazia pequenos redemoinhos com os flocos de neve. Stanislaw, o pacato sacristão, já ia fechar as portas, quando um homem alto e corpulento entrou rapidamente no átrio do templo. Sacudiu um pouco da neve espalhada sobre seu casaco, e muito cerimonioso, saudou-o de maneira educada.
Certamente, ele vinha de fora. Tinha um sotaque carregado, e talvez fosse russo, o que não seria de estranhar, pois a fronteira não era muito longe dali. Pediu desculpas por chegar tão tarde, e explicou:

- Estou de viagem e amanhã cedo vou tratar de um negócio muito importante para mim. Para que as coisas me sejam favoráveis, resolvi fazer uma promessa à Virgem. Veja, trouxe aqui estes dois círios, e quero acendê-los bem junto àquela imagem de Nossa Senhora da Paz, pois sei como o povo daqui lhe tem devoção.
Stanislaw, um pouco contrariado, respondeu não ser costume acender velas naquele altar. Mas o estrangeiro mostrou-se insistente, e para resolver qualquer dúvida, tirou do bolso três zlotys de prata. Era uma oferta difícil de ser recusada por um pai de família pobre e com muitos filhos.
- Bem, nesse caso, podemos abrir uma exceção, acho... Vamos fazer assim: Vou deixá-las acesas durante a noite, mas amanhã de manhã deverei retirá-las, pois o padre Lozinskij não vai gostar muito disso.
O estrangeiro concordou, e após certificar-se de que as velas foram acondicionadas no local pedido, retirou-se, tão rapidamente como chegara. Pareceu um pouco estranho ao sacristão que ele, querendo fazer uma promessa, não rezasse um pouco diante do altar, e nem sequer fizesse o sinal-da-cruz ao sair. Mas dando de ombros, mudou de pensamento. Enfim, o homem parecia muito apressado mesmo...
Terminado o arranjo, Stanislaw se dispôs a trancar bem a igreja e ir embora também, quando, passando diante do altar da Virgem, lembrou-se não ter ainda rezado seu último terço. Bem - pensou - talvez seja melhor terminar o rosário em casa, onde pelo menos estarei aquecido. No entanto, sentiu uma inesperada vontade de ficar diante da imagem. Afinal, ela estava lindamente iluminada por aquelas duas velas, que aliás, eram enormes.
Estando vazia, a igreja esfriava cada vez mais. Ele colocou o seu casaco, ajeitou bem o chapéu de pele na cabeça, e sentando-se próximo ao altar, começou a rezar. O frio lhe dava um certo sono, e ele se distraía entre as ave-marias e os pais-nossos. De repente, com os olhos um pouco embaçados, julgou ver uma das imagens de anjo do retábulo encher as bochechas de ar e soprar com força as velas ali postas.
- Estou sonhando de olhos abertos!
No entanto, as velas estavam apagadas. Seria possível? Olhou em torno, procurando alguma janela aberta, mas nada encontrou. Por onde teria entrado o vento que apagou os círios? Não entendendo bem o que acontecera, tornou a acendê-los, e para evitar cochilar de novo, resolveu terminar o terço de pé. Não havia completado mais uma dezena de ave-marias, quando ao olhar novamente o mesmo anjo, o viu - desta vez nitidamente - assoprar de novo as velas. As duas apagaram, ficando apenas uma ondulante fumacinha a subir.
Stanislaw engoliu em seco, e um calafrio percorreu sua espinha. Fez o sinal-da-cruz várias vezes e deu três passos para trás. Mas logo em seguida lembrou-se de que estava numa igreja e, afinal, diante de uma imagem da Virgem, cercada de anjos. Não, aquilo não podia ser coisa do maligno.
- Acho que o frio está me dando alucinações!
Ele então acendeu mais uma vez as velas e terminou o terço o mais rápido que pôde. Feito isso, aprontou-se para sair da igreja, mas antes, hesitante, aproximou-se mais do tal anjo, para observá-lo melhor. Para seu espanto, a figura esculpida pareceu tomar vida e, olhando-o fixamente, assoprou novamente as velas. Assim que elas apagaram, o anjo lhe disse, com uma voz suave, mas muito decidida:
- Stanislaw! Não ouses acender estes círios!
O pobre homem, dando um grito, caiu para trás. Levantando-se, apavorado, saiu correndo igreja afora, até a casa do pároco, que ficava bem perto dali. Gaguejando e com os olhos arregalados, contou-lhe o que acontecera. Juntos voltaram até o templo (o sacristão quase escondido atrás do sacerdote) e detiveram- se na frente do misterioso altar. Pessoa ao mesmo tempo piedosa e muito firme, padre Lozinskij olhou fixamente a imagem, as figuras dos anjos e, por fim, os círios apagados. Uma repentina suspeita surgiu-lhe na mente, e resolveu retirar as velas e examiná-las. Verificou que eram muito mais pesadas do que o normal. Pegou um canivete, e cortando uma parte lateral, descobriu, com pasmo e indignação, que aqueles grandes círios estavam cheios de um potente explosivo.
Voltando-se para o sacristão com a fisionomia muito séria, disse-lhe:
- Veja, Stanislaw, esse milagre nos ensina como devemos ser vigilantes.
É bom demonstrar boa vontade e caridade para com todos, mas sempre mantendo uma prudente reserva, pois todo homem tem em si um lado mau. Além disso, a realidade é que, infelizmente, há também certas pessoas que praticam o mal deliberadamente. Não há como negar isso.
Portanto, meu caro Stanislaw, tenhamos nossos olhos sempre bem abertos. E prestemos atenção nos prudentes recados e nas boas inspirações que o bom Deus muitas vezes nos manda, às quais nem sempre estamos atentos.

Revista Arautos do Evangelho, Out-2007

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