
Os Clochers se
ufanavam de ser descendentes do patriarca que, havia alguns séculos, servira a
Carlos Magno, o ilustre imperador do Sacro Império, motivo pelo qual a fama de
sua linhagem se espalhara pela Europa.
Louis Clocher pertencia à décima segunda geração e herdara não só o talento e a virtude de seus ancestrais, como também a tradicional oficina. Tivera três filhos, aos quais educara eximiamente. Pierre, o caçula, nascera-lhe na velhice e era seu preferido; Jacques, o do meio, era muito reto, mas um tanto desastrado com os sinos... Ambos eram piedosos como o pai e se dedicavam ao campo. François, o mais velho, possuía o dote artístico dos avós e, desde a infância, ajudava o pai, demonstrando muita aptidão para o ofício. Porém, não tinha suas qualidades sobrenaturais, pois não gostava de rezar nem de assistir à Missa...
Debilitado em
sua saúde e pressentindo a morte próxima, o velho Clocher mandou chamar um
sacerdote a fim de receber os Santos Óleos. Revigorado por tal consolo
espiritual, chamou junto a si os filhos a fim de dar-lhes suas últimas
recomendações.
— Pierre e Jacques, meus queridos filhos, sede
em tudo fiéis a Deus e observantes de seus Mandamentos! Por mais árduo que vos
pareça, nunca afasteis do caminho da virtude! Tende coragem! Deixo-vos por
herança nossos rebanhos e campos. Administrai com honestidade vossos próprios
bens e vigiai, pois de tudo tereis que prestar contas ao Juiz Eterno.
Após dar-lhes
a bênção paterna, Louis fitou detidamente o primogênito e disse:
— François,
meu filho, a ti confio o mais precioso legado que recebemos de nossos
antepassados: a Religião Católica! Peço-te que, de hoje em diante, sejas mais
devoto de Nossa Senhora e assíduo aos Sacramentos! Tu deves continuar nossa
tradição, nascida da fé de nossos avoengos, e para isso será tua a oficina e os
utensílios que, há tantas gerações, são usados na fabricação dos sinos e
carrilhões Clochers. Contudo, nunca te deixes arrastar pela ambição! Sê reto e
íntegro em teus empreendimentos e não desonres nosso nome. Sobretudo, não
ofendas a Deus!
Poucos dias
depois Louis entregou santamente sua alma a Deus. O carrilhão da catedral deu o
toque fúnebre e suas exéquias foram muito concorridas, pois todos queriam
homenagear tão exemplar artesão.
Os anos se
passaram. Jacques e Pierre, além de cuidar do que lhes coube, tornaram-se
comerciantes de tecidos e lã, sem se desviar do cumprimento dos ditames
paternos. François, por sua vez, dedicou-se com êxito ao ofício familiar. No
entanto, lhe entrara no fundo da alma o verme da cobiça... Desprezando as
advertências do pai, não era honesto em seus negócios, jamais rezava e visitava
as igrejas apenas para fazer propaganda de seu trabalho, levando uma vida fora
da graça de Deus.
Certo dia, ao
limpar a torre da catedral, um sacristão percebeu que o grande sino — o bourdon
— estava rachado. Tomado de zelo, comunicou ao Bispo e a notícia se espalhou
pela cidade.
François,
muito esperto, logo se apresentou ao sacristão oferecendo-se para fundir um
novo sino. Pensava ele em um meio desonesto para conseguir muito lucro com o
serviço... O sacristão não percebeu aquela má intenção e conduziu-o ao prelado.
O ganancioso François então lhe garantiu:
— Dom Jean, eu
poderei fazer o novo sino. Só preciso de algumas toneladas de bronze... e
também de prata... Prometo que farei um bourdon superior ao que agora está na
catedral!
O Bispo não
era homem de poupar esforços para abrilhantar a liturgia e dar maior esplendor
à casa de Deus. Sem desconfiar de nada, Dom Jean ordenou que fornecessem a
François o donativo em metais que a diocese recebera de uns nobres da região.
Tendo François
recebido matéria-prima tão excelente, consumou seu funesto plano: escondeu tudo
em seu depósito e, em pouco tempo, fabricou um sino grosseiro com as ligas
metálicas mais ordinárias que possuía. Unindo arte e esperteza, lustrou-o tão
bem que parecia de primeira qualidade...
Antes de
completar um mês da encomenda, lá estava François para entregá-la! O Bispo
ficou surpreso e contente com tamanha rapidez, marcando logo a data da bênção
do sino:
— Meu bom
sineiro, no próximo dia 22 de julho celebraremos Santa Maria Madalena, nossa
padroeira. É uma boa ocasião para abençoarmos o sino.
François
voltou para a casa já sonhando com o lucro que teria com a vultosa quantidade
de prata e bronze que roubara da diocese...
No dia
marcado, o povo se reuniu para a festa e inauguração do bourdon. François ali
estava esperando honras e elogios. Após a bênção, levantaram o sino no alto da
torre principal e todos aguardavam seu primeiro toque. Qual não foi o estupor
geral quando, no momento esperado, o dito bourdon não emitiu sequer um
ruído!...
— Que está
acontecendo? — perguntavam-se.
Sem entender,
os sacristãos se revezavam para tentar tirar algum som com o grande badalo, mas
foi em vão!
— Como pode um
sino não tocar?! — exclamou o Bispo, atônito.
Os olhares dos
presentes incidiram em François que, assustado, justificou-se:
— Decerto é
culpa dos que o colocaram lá em cima!
Inseguro e
pressentindo que algo de insólito se passava, ele inventou muitas outras
mentiras, pois o sino era inferior ao encomendado... todavia, deveria tocar!
— Vós não
sabeis nada! Eu vos mostrarei a beleza de meu sino!...
A multidão
abriu espaço. François subiu à torre e agarrou a corda. Apenas movimentou o
badalo, quando o enorme sino despencou e caiu certeiro sobre ele, tirando-lhe a
vida!
Coincidência
ou castigo?... Toda a cidade que assistia à cena na praça da catedral ficou
impressionada e temeu a Deus em seus misteriosos e justos juízos. Ao fazerem o
inventário dos bens do sineiro, encontraram em seu depósito os metais que havia
roubado! Comprovou-se, assim, que ele havia mentido e tentado enganar não só
aos homens, mas a Deus...
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